|
|
NOS SHOWS, EMO��O � O QUE IMPORTA
(Estado - 15/12/1995)
Renato Russo valoriza a mensagem, o que est� sendo dito, mas tamb�m a
maneira como tudo est� sendo dito, a emo��o, que pode ser usada com intelig�ncia e
sensibilidade
(Por Gabriel Bastos Junior)
Com o tempo, veio o sucesso retumbante. Faroeste Caboclo ficou v�rios
meses em primeiro lugar nas principais FMs. O disco Quatro Esta��es foi demolidor e o ao
vivo, M�sica para Acampamentos, registrou a for�a dos shows. A imagem estava
constru�da. O cuidado agora tinha de ser para mant�-la.
Desde um comentad�ssimo tumulto em um show da banda em Bras�lia, em
1988, Renato Russo e a Legi�o Urbana evitam ao m�ximo a superexposi��o e, sempre que
podem, ficam o maior tempo poss�vel sem trabalhar - nada de shows, nada de entrevistas e
alguma dor de cabe�a para o empres�rio do grupo, Rafael Borges. "Ele � o m�ximo
porque administra o nosso n�o-trabalhar", comenta Renato Russo.
Caderno 2 - Voc� hoje admite que n�o gosta de fazer show.
Renato Russo - J� gostei muito. Agora tenho meu p� atr�s porque sei
quais s�o as dificuldades que eu vou enfrentar e o que pode ocorrer. Acho que a marca foi
aquele show em Bras�lia. A gente come�ou a perceber que existem muitas coisas envolvidas
que podem n�o dar certo. Ent�o a responsabilidade � muito maior e a press�o tamb�m.
Mesmo quando o show d� certo, tem aquele engarrafamento monstro. Antigamente a gente n�o
pensava nisso.
Caderno 2 - O que mudou?
Russo - Comecei a pensar nisso quando tive filho. A gente fica medroso
quando tem filho. N�o � medo de acontecer alguma coisa comigo, mas de acontecer alguma
coisa comigo que afete meu filho.
Caderno 2 - Mas quando come�a o show voc� se transforma...
Russo - N�o tem uma transforma��o. Eu subo no palco para cantar as
m�sicas. Sei que � uma bobagem dizer isso, mas para mim o palco � sagrado. O que
dificulta � a expectativa do p�blico e a nossa responsabilidade. E ter de cantar as
mesmas m�sicas sempre. N�o tem um show em que a gente n�o cantou Ser�. Voc� tem de
passar por cima de um t�dio existencial que tem com o material e cantar Ser� como se
fosse a primeira vez. Isso desgasta.
Caderno 2 - Voc� tamb�m n�o se sente desgastado por se expor muito
�s suas m�sicas? E tem tamb�m a quest�o do canto, da voz mesmo...
Russo - S�o m�sicas dif�ceis de cantar para passar a mensagem. H�
Tempos come�a tranq�ila, no final eu estou me esgoelando. Mas, quando voc� v� aquele
bando de gente cantando "h� tempos s�o os jovens que adoecem", n�o tem como
n�o se emocionar.
Caderno 2 - E tem o som...
Russo - � muito desgastante se preparar para fazer um show legal e na
hora encontrar um som ruim. E o som em todo lugar � ruim porque a gente n�o pode tocar
em lugar pequeno. A gente tenta equacionar essas coisas para que tudo d� certo porque
n�o h� nada melhor do que um bom show. Lava a alma mesmo.
Caderno 2 - Essa impossibilidade de controlar tudo � que afasta
voc�s tamb�m dos festivais?
Russo - A gente � o tipo de banda que reclama se tiver um outdoor da
Coca-Cola no show. A turn� do As Quatro Esta��es foi patrocinada pela Lacta porque a
gente achou que chocolate era tudo bem. Mas, mesmo assim, tinha um monte de regrinhas.
Isso dificulta as coisas para a gente, mas se fosse de outra forma talvez perd�ssemos
essa coisa especial que a banda tem. Eu estou l� falando de �tica, sofrendo, � o cantor
tr�gico-rom�ntico suicida e dependente qu�mico. O p�blico n�o vai respeitar.
Caderno 2 - A rela��o da Legi�o com o p�blico � maior que a
m�sica...
Russo - Eles t�m um perfil que eu acho muito bonito. S�o pessoas que
n�o s�o racistas, n�o s�o fascistas, que buscam uma determinada �tica frente ao mundo
complicado que t�m. Fico feliz de tentar trabalhar com o que acredito e o que acredito
passar na m�sica. N�o existe confus�o.
Caderno 2 - A mensagem � o principal no trabalho da Legi�o?
Russo - O importante para mim n�o � o que est� sendo dito, mas como
est� sendo dito. O importante � que as pessoas conseguem se emocionar com a Legi�o. A
coisa que eu mais invejo � voc� fazer You Are Not Alone, do Michael Jackson. � muito
dif�cil. Voc� pegar frases de cinco palavras, aquelas rimas pobres e vocabul�rio batido
e fazer algo que emocione as pessoas � complicado. � muito f�cil ser Nick Cave. Se n�o
passar emo��o, n�o tem texto que segure. Eu vejo isso pelo trabalho do Caetano. Voc�
pega uma coisa como L�ngua. Sinto muito, mas sou mais Le�ozinho. Existe uma maneira de
voc� usar a emo��o com intelig�ncia e sensibilidade.
Caderno 2 - � nesse espa�o que voc� trabalha?
Russo - Eu gosto de brincar com o limite disso. � o tal do brega, que
eu falo. No Descobrimento do Brasil, a gente brincou com muitas coisas, s� que ningu�m
percebeu. Tem m�sicas como S� por Hoje. Aquilo � show da Xuxa com a diferen�a que eu
falo de depend�ncia qu�mica. Voc� se emocionar com Dumbo � diferente de achar Mirnau
ou Fassbinder o m�ximo.
Caderno 2 - Mas o p�blico de voc�s se aproxima mais da MPB...
Russo - Sempre tive essa teoria - e � um crime eu falar isso. O
povo que conhece MPB, gosta de MPB e s� ouve MPB, que tem uma rela��o religiosa com a
MPB, geralmente s�o pessoas chatinhas. Tem umas m�sicas emblem�ticas de rodas de
viol�o que eu acho muito chatas
|
|
|