Legi�o Urbana Uma Outra Esta��o
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POESIA E CONFLITO NA VIDA DE RENATO RUSSO

O Estado de S. Paulo, 20/03/2000

O jornalista Arthur Dapieve, autor de `Brock: A Hist�ria do Rock Brasileiro dos Anos 80' , prepara biografia do compositor, vocalista e l�der da Legi�o Urbana, que deve ser lan�ada em breve; a hist�ria pouco conhecida do m�sico carism�tico, que se tornou um mito entre os jovens, combateu a repress�o, pregou a �tica e abordou relacionamentos bem-sucedidos e outros nem tanto em suas can��es, deve atrair um p�blico que se apaixonou pelo �dolo e pelo homem

D�BORA GUTERMAN

Especial para o Estado

Se, como personagem p�blico, Renato Russo, vocalista e letrista da extinta Legi�o Urbana, j� causava pasmo, o que seria dito de sua vida privada, politicamente incorreta? At� a morte, ele tentou ofusc�-la dos holofotes da m�dia. Agora, sem impedimento, o jornalista Arthur Dapieve, colunista do jornal O Globo, prepara a biografia de Russo, que deve ser lan�ada ainda neste semestre pela Editora Relume Dumar�.

O que fez com que Russo, que nada tinha de s�mbolo sexual, fosse mais adorado do que outros gal�s, que n�o faltam ao g�nero musical? "Primeiro, o adolescente identificava-se com sua apar�ncia -- usava �culos, estava sempre com a barba por fazer e tinha um jeito peculiar de vestir-se e portar-se -; a partir da�, buscava saber se tinham id�ias parecidas", explica Dapieve, autor de Brock: A Hist�ria do Rock Brasileiro dos Anos 80.

A resposta era positiva. "Suas letras abordavam as quest�es �ticas e � justamente nessa fase da vida que rapazes e mo�as come�am a questionar se est�o sendo honestos com os namorados ou como devem comportar-se diante da pol�tica nacional", analisa o jornalista.

E, ao menos, na teoria, essa postura torna-se permanente. "Russo compunha letras que pudessem fazer sentido tanto em Vila Rica, da Inconfid�ncia Mineira, quanto em Lag�ia, no s�culo 22; para tanto, menosprezava as refer�ncias temporais, utilizando-se de met�foras." Eduardo e M�nica � uma rara exce��o.

N�o demorou para Russo tornar-se um mito. Por mais que recusasse o r�tulo. Na �poca da grava��o do terceiro disco, Que Pa�s � Este?, declarou: "Sou jovem de 20 e poucos anos, n�o sei nada da vida e as pessoas bebem minhas palavras como �gua; escrevo justamente porque n�o sei." Mas, na hora que subia no palco, parecia esquecer esse discurso. Agia como l�der aut�ntico de uma banda de rock-n'-roll: jogava-se no ch�o, rastejava, incitava o p�blico ao sexo e a segui-lo, em coro, em um "�, �, i�, i�". Nos shows de 1985, faixas na geral faziam trocadilho com o nome da turn�: "Que Sarney � Este?"

O estopim desse comportamento messi�nico deu-se em 1988, no show ocorrido no Est�dio Man� Garrincha, em Bras�lia. Da plat�ia de 50 mil pessoas, 60 foram detidas e cerca de 400 ficaram feridas. Al�m disso, 64 �nibus foram apedrejados. Russo compara-se a Mick Jagger - em raz�o de uma turn� do Rolling Stones em Altamont, em que quatro pessoas foram mortas, uma delas assassinada em frente do palco - e canta Gimme Shelter ( "Oh, a storm is threat'ning my very life today").

O come�o - No fim dos anos 70, o movimento punk incendiava Bras�lia, seguindo a cartilha dos Sex Pistols. O grupo Aborto El�trico, integrado por Russo, Felipe Lemos (Capital Inicial) e Andr� Pretorios, representava a ant�tese da m�sica de discoteca. Surgiu em resist�ncia ao per�odo de repress�o na capital, com epis�dios como o da greve geral na Universidade de Bras�lia, em 1977, quando houve confronto entre estudantes e policiais. Panfletava Russo: "J� me falaram muitas vezes que a voz do povo � a voz de Deus; ser� que Deus � mudo?" Uma briga entre o vocalista e Lemos d� fim � banda, em 1978.

Russo virou o "Trovador Solit�rio", � la Bob Dylan. N�o tardou muito e, apadrinhado por outro grupo de Bras�lia, o Paralamas do Sucesso, ele e Marcelo Bonf� - sem esquecer da vertiginosa passagem de Eduardo Paran� e Paulo Paulista - engataram o projeto da Legi�o Urbana. Ap�s altos e baixos, Russo, Bonf� e Dado Villa-Lobos formam a banda. Em 1985, Renato Rocha � chamado para substituir Russo no baixo. O agora apenas vocalista havia cortado os dois pulsos, numa tentativa de suic�dio, e prejudicado o movimento das m�os.

Renato Mandfredini Jr. tornou-se Renato Russo em raz�o da admira��o por Fernando Pessoa. Logo que descobriu os heter�nimos do poeta, tratou de inventar os seus. Fundiu os sobrenomes de Jean-Jacques Rousseau, Henri Rousseau e Bertrand Russel.

O primeiro �lbum, Legi�o Urbana, teve quase todas as 11 faixas tocadas, exaustivamente, nas r�dios. O desespero de Ser� ecoa em Baader-Meinhor Blues e Soldados. "� o mais claramente punk disco do grupo; as letras s�o muito politizadas, frutos do meio em que ele emergiu - a Turma da Colina de Bras�lia", comenta Dapieve.

Dois representou uma reviravolta na carreira. Com resigna��o, abordava as rela��es interpessoais em Eduardo e M�nica ("Eduardo e M�nica um dia se encontraram sem querer/E conversaram muito mesmo pra tentar se conhecer") e Andrea D�ria ("�s vezes parecia que, de tanto acreditar/Em tudo que ach�vamos t�o certo,/Ter�amos o mundo inteiro e at� um pouco mais/Mas percebo agora/Que o teu sorriso/Vem diferente,/Quase parecendo te ferir"). Russo dizia que gostaria de conhecer o casal; j� de Andrea, a mesma menina de Ainda � Cedo, queria dist�ncia.

Pop - Legi�o Urbana abandona o rock e opta pelas melodias pops em Que Pa�s � Este - 1978/1987, lan�ado em meio a uma crise criativa. Por exig�ncia contratual, a banda faz uma colet�nea de m�sicas antigas, e in�ditas. Outra faixa, Faroeste Caboclo, � o seu Hurricane (Bob Dylan).

Nas prateleiras das lojas em 1989, As Quatro Esta��es � o disco mais l�rico produzido pelo grupo. Rocha abandona o grupo nesse ano, sem causar rebuli�o. Mas as grava��es atrasam, uma vez que, por pura pirra�a, os tr�s resolvem regravar as faixas das quais o baixista havia participado. A melancolia da vida de Russo reflete nas letras de H� Tempos ("H� tempos o encanto est� ausente"), Quando o Sol Bater na Janela do Teu Quarto ("At� bem pouco tempo atr�s/Poder�amos mudar o mundo").

Nessa �poca, o vocalista assume ser homossexual. "Estou no grupo de risco, mas n�o sou hemof�lico", disse. Era o tempo em que se acreditava que a aids atingia apenas grupos de risco: hemof�licos, drogados e gays. �, ainda, o per�odo em que se preocupa em fazer m�sicas para que seu filho, Giuliano, entendesse. Filho? Sim. Em tom debochado, ele explicou: "Aconteceu porque sou homem; quer dizer, tenho uma prefer�ncia, mas nada � definitivo: eu como panqueca com mel, mas um dia opto por p�o de queijo." A vers�o oficial fala que Giuliano � filho de Renato e uma f�, coisa de uma noite e nada mais. Mas h� quem fale em ado��o.

Russo tamb�m se apega � espiritualidade. "Ele n�o era manique�sta, flertava com todas as religi�es e seu pluralismo religioso permitiu que se comunicasse sem restri��o", afirma Dapieve. "Uma atitude punk por excel�ncia seria falar `n�o gostamos de religi�o, somos contra a Igreja', mas, ao se pronunciar dessa forma, ele fecharia alguns canais de comunica��o." N�o fechou.

M�sica para Acampamento foi pura imposi��o da gravadora. Nada representa da Legi�o. Com o LP V Russo volta a ser um punk e a escrever sob o impacto de drogas, v�cio que o consumia desde os 16 anos. "A carreira de Russo � t�o c�clica quanto a vida dele", compara o autor de sua biografia. Descobrimento do Brasil � o auge da fase man�aco-depressiva de Russo. "� um disco menos atormentado, em que contabiliza as perdas em conseq��ncia da vida desregrada", diz o jornalista. "Perdi vinte em vinte e nove amizades/Por conta de uma pedra em minhas m�os", confessa, em Vinte e Nove.

Tempestade deve ser "lido" nas entrelinhas. "V�-se sua ang�stia diante da morte, as febres cada vez mais constantes, al�m do fato de ele externar outros dramas externos - as enchentes e a chacina no Par�", afirma Dapieve.

No meio-tempo entre Descobrimento do Brasil e Tempestade, Russo lan�ou dois discos-solo. O primeiro, The Stonewall Celebration Concert, tem sua verba revertida para institui��es de amparo aos pacientes de aids. Comemora os 25 anos do primeiro levante gay da Am�rica, de Nova York. "Queria me engajar na luta pelo direito de ser respeitado como bissexual no Brasil, pa�s onde ser gay � desmunhecar e onde as minorias n�o s�o organizadas", bradava Russo. Sobre o �lbum, admitia que era brega. "� como aquelas baladonas do Menudos; � meio Sullivan e Massadas, s� que mais sofisticado." E vem o disco em italiano, Equil�brio Distante, hiperbrega.

Uma Outra Esta��o segue a �urea de Tempestade. Traz Clarice: "Estou cansado de ser vilipendiado, incompreendido e descartado/Quem diz que me entende nunca quis saber/Aquele menino foi internado numa cl�nica/Dizem que por falta de aten��o dos amigos, das lembran�as". Outro, tamb�m p�stumo, Mais do Mesmo, � autobiografia autorizada por Dado e Bonf�. No ano passado, foi lan�ado o Ac�stico.

Quando morreu, em 11 de outubro de 1996, em conseq��ncia da aids, em sua casa em Ipanema, Rio, Russo encerrou a vida e a carreira da Legi�o Urbana. N�o diminuiu, por�m, a frenesi entre meninos e meninas e muito menos o estigma de m�rtir entre pais e filhos. Morreu com a certeza de que n�o falava para salvar algu�m, at� porque sabia que era ele quem se deveria salvar antes.

 

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