Legi�o Urbana Uma Outra Esta��o
|
||||
|
Texto de Hermano Vianna que est� no livrinho que acompanha a lata Por Enquanto Para a hist�ria da Legi�o Urbana no come�o, bem no come�o, est� o punk. Como nenhum come�o � absoluto (o que existia antes do come�o?), esse punk � um princ�pio, digamos assim, arbitr�rio. Outros come�os poderiam ser v�lidos: n�o seria absurdo citar as Sun Sessions de Elvis ou os gritos de Love Me Do dos Beatles como ponto de partida "alternativos". Mas foi o doit-yourself, que est� na fase est�tica/pol�tica do punk, que movimentou o aparecimento de um "movimento" de rock em Bras�lia no final dos anos 70, do qual saiu a Legi�o Urbana. Ser punk em Bras�lia n�o era exatamente um ato de rebeldia. Imposs�vel ser apenas rebelde quando se conhece, de cor e salteado (como os punks brasilienses conheciam), a hist�ria dos Sex Pistols. A rebeldia j� tinha sido desmistificada como mais uma estrat�gia de marketing necess�ria para o bom funcionamento da Ind�stria Cultural. Malcolm McLaren apenas tornou evidentes os mecanismos de produ��o de �dolos rebeldes. Depois dos Sex Pistols, a rebeldia sem causa n�o deveria Ter nenhum futuro. O que restava era desilus�o, e a possibilidade de tirar proveito de uma sociedade que precisa de ilus�o (incluindo �dolos rebeldes) para sobreviver. O "no future" dos punks acabou se mostrando cheio de conseq��ncias e de diferentes futuros. A cena pop internacional passou a funcionar na base de estilha�os de novos "movimentos" (mitos deles, seguindo o exemplo da turma dos Sex Pistols, apenas produtos de releituras ou revivals de momentos anteriores da hist�ria do rock), todos com direito aos seus 15 minutos de fama e hits. No primeiro dia de 1985, data em que a Legi�o Urbana lan�ou seu primeiro disco, o punk j� era uma lembran�a remota, a new wave j� havia se tornado um passado comprometedor, Ian Curtis j� tinha se suicidado h� quase 5 anos e o hardcore j� se cansava da tentativa desesperada de levar a rebeldia do punk a s�rio. A m�sica da Legi�o Urbana s� podia refletir esse fragmentado estado criativo, onde n�o existe mais qualquer cartilha a ser seguida e onde toda nova banda est� condenada a reinventar, seguindo o exemplo do Sex Pistols, sua pr�pria hist�ria de pop. Ser�, a primeira can��o do primeiro disco da Legi�o Urbana come�a com os seguintes versos: "Tire suas m�o de mim / Eu n�o perten�o a voc�". Parecia uma declara��o de princ�pios punks, autorit�ria e arrogante, onde o grito de independ�ncia pressup�es o corte de todos os la�os (afetivos, de qualquer tipo de pertencimento) como o mundo ao redor e com as pessoas que vivem nesse mundo. Mas Ser� n�o �, nem de longe, uma reedi��o ir�nica da ironia se Sub-Mission dos Sex Pistols. Ser� � o in�cio do di�logo (com um "voc�" amb�guo, em constante metamorfose, que reaparecer� em in�meras outras m�sicas da Legi�o Urbana) e a primeira tentativa de constru��o de um outro mundo regido por princ�pios �ticos p�s-punks, que levem em conta (a ao extremo) a aus�ncia de futuro e a descren�a radical no que passou. Ser� � antes de tudo uma can��o rom�ntica (n�o por acaso que tamb�m fez sucesso na voz de Simone e no ritmo melodram�tico do pagode-suingue), t�o rom�ntica quanto a escrita do mais desesperado poeta rom�ntico alem�o, que tamb�m vivia o fim de um mundo. O sentimento predominante em Ser�, e nas demais faixas do primeiro disco da Legi�o Urbana, n�o � revolta, mas sim o desamparo ("Quem � que vai nos proteger?") e a necessidade urgente de cria��o de uma nova comunidade, sem depender de ningu�m, j� que ningu�m nos protege. Essa proposta (assim mesmo desesperada e desamparada) ut�pica da Legi�o j� foi interpretada/acusada de messianismo. Pode ser o caso, mas trata-se certamente de um messianismo paradoxal ou radical (mesmo em seus momentos mais crist�os), um messianismo que n�o transmite a "boa palavra", mas sim o eterno retorno do "no future" como a nova �tica, uma �tica sempre descrente de seus princ�pios, da possibilidade de melhorar o mundo, ou da exist�ncia de alguma solu��o para qualquer problema. Solu��o? Em Teorema a pr�pria id�ia de solu��o � colocada em suspenso: "N�o sabemos se isso � problema / Ou se � a solu��o". Tudo � (repito: por princ�pio) motivo para d�vida: "Se eu soubesse lhe dizer qual � a sua tribo / Tamb�m saberia qual � a minha" (Petr�leo do Futuro); "Vivemos num planeta perdido como n�s / Quem sabe ainda estamos a salvo" (Perdidos no Espa�o); "Qual � a diferen�a?" (Baader-Meinhof Blues); "Quem � o inimigo?" (Soldados); "Eu n�o sei mais o que / Eu sinto por voc�" (Ainda � Cedo). O estar (em qualquer espa�o, e n�o apenas no Brasil), � deriva, tamb�m se reflete numa err�ncia por v�rios estilos musicais p�s-punk. Legi�o Urbana 1 � quase um �lbum colcha-de-retalhos onde convivem v�rios ecos da fragmenta��o p�s-punk. A Dan�a lembra o funk-punk do Gang of Four, Ainda � Cedo tem a melancolia do Joy Division e do primeiro U2. A Legi�o gravou at� um reggae e um "punk-b�sico" (mesmo na letra) como Gera��o Coca-Cola (composi��o do tempo do Aborto El�trico, primeiro grupo "punk" de Bras�lia, primeiro grupo musical de Renato Russo). N�o era poss�vel perceber, a partir desse disco de estr�ia, quais seriam os pr�ximos passos musicais da banda. Muitos pontos de vista musicais convivem em cada faixa. Muitas vozes conflitantes contam cada letra. A Legi�o Urbana inaugura nesse disco todos os procedimentos po�ticos que ser�o desenvolvidos nos pr�ximos lan�amentos. Muitas vezes quem canta � uma personagem, que pode citar (veja as letras impressas no encarte do disco e conte o n�mero do aspas e travess�es) outras personagens. Outras vezes s�o contadas hist�rias (vide O Reggae) sem que saiba quem est� no comando da narrativa. N�o existe uma vis�o do mundo privilegiada, n�o existe ideologia �nica, n�o existe futuro para quem n�o acredita em futuro. Mas nada disso fica totalmente claro. At� porque a �ltima can��o desse disco coloca tudo, mais uma vez, em suspenso, tudo parece provis�rio, tudo parece estar aqui apenas Por Enquanto. N�o � s� pela predomin�ncia dos sintetizadores (e n�o das guitarras el�tricas, como nas outras m�sicas) que Por Enquanto �, de certa forma, desconcertante. O disco termina com uma declara��o no m�nimo inesperada: "Estamos indo de volta pra casa". Algo aconteceu entre o "tire as suas m�o de mim" e o "estamos indo de volta pra casa". Ent�o existe uma casa, um local de repouso, uma utopia tranq�ila? Que casa � essa, onde ela fica, quem sabe onde ela fica, quem est� indo de volta? Essa casa � o "nosso" futuro? Respostas nos pr�ximos discos? Haver� pr�ximos discos se encontrarmos essa casa? Dois, o segundo disco da Legi�o Urbana, lan�ado um julho de 1986, n�o traz respostas �bvias. E as perguntas s�o complexificadas. O disco come�a com uma colagem sonora onde se escuta, em meio a outros ru�dos e outras m�sicas, o seguinte trecho de Ser�: "Brigar pra qu� / Se � sem querer". Mas parece que alguma coisa mudou, que as perguntas (e talvez a aus�ncia de respostas e de um local de repouso no final da err�ncia) n�o incomodem tanto, que foi descoberta uma maneira de se conviver pacificamente com a perplexidade: "Ainda estou confuso / S� que agora � diferente / Estou t�o tranq�ilo / E t�o contente" (Quase Sem Querer). Parece que foi encontrado um ant�doto contra a maldade e o erro, quase como se a resposta procurada fosse a resigna��o: "Nada mais vai me ferir / � que eu j� me acostumei / Com a estrada errada que segui / E com a minha pr�pria lei" (Andrea Doria). Mas a resigna��o n�o � tudo. Em Dois torna-se mais clara uma outra faceta inesperada, principalmente levando-se em considera��o com sua origem punk, da Legi�o: uma "vontade" de religi�o e piedade. Em Baader-Meinhof Blues, do primeiro disco, j� aparece um vest�gio de sentimento crist�o: critica-se uma sociedade para o qual "amar ao pr�ximo � t�o demod�". Mas em Dois o que estava submerso em met�foras e ironias vem � tona: sua primeira faixa, logo a mais "explicitamente" sexual, tem um t�tulo b�blico: Daniel na Cova dos Le�es. Em F�brica, logo a mais punk (colocando-se de lado o indigna��o de Metr�pole), a Legi�o canta: "Nosso dia vai chegar" e "Quero justi�a". O canto n�o deve ser tomado ao p� da letra. A Legi�o Urbana canta, mas o que � cantado n�o expressa necessariamente o pensamento da Legi�o Urbana. O eu de cada can��o nem sempre pode ser confundido como pensamento da Legi�o Urbana. Em F�brica, pode estar cantando um oper�rio. Acrilic On Canvas � um di�logo entre duas (ou mais ?) pessoas que n�o sabemos quem s�o. Eduardo e M�nica, composi��o mais antiga, � uma narrativa de uma hist�ria com come�o, meio e fim. O ouvinte fica sem saber da opini�o do cantor sobre aquilo que canta. Nada � obviamente partid�rio ou panflet�rio. Em "�ndios", assim mesmo com aspas, a m�sica que encerra esse disco, quem canta � um "�ndio" que se dirige a um "voc�s" gen�rico, que somos n�s (incluindo os pr�prios componentes da Legi�o), "civilizados" brasileiros. Quem canta ocupa o lugar de outsider, daquele que vem de fora para fazer ver. O outsider n�o � dono da verdade (como diz outra can��o de Dois: "N�o h� mentiras nem verdades aqui / S� h� m�sica urbana"), apenas acrescenta outros pontos de vista, outras verdades e mentiras no meio das verdades e mentiras j� existentes, mais ou menos oficiais. Em "�ndios", a voz muda a cada estrofe, � como se uma multid�o estivesse cantando. (J� compararam a Legi�o Urbana a Joy Division, Smiths ou Van Morrison. N�o sei por que ningu�m nunca penou em David Bowie. N�o � preciso mudar de corte de cabelo a cada ano para ser um camale�o.) Dois come�a a definir tamb�m uma sonoridade (com os timbres de guitarra preferidos de Dado Villa-Lobos e sutileza r�tmica de Marcelo Bonf� � frente) e uma assinatura mel�dica da Legi�o Urbana. A m�sica � mais imediatamente pop, mas n�o facilmente assobi�vel. As letras parecem, muitas vezes, estar em conflito com a melodia, como se brincassem com o limite da m�trica e se tornassem parte da can��o por obra de um milagre. E algumas melodias s�o realmente milagrosas. Escute Tempo Perdido. Essa can��o soa nova quase dez anos depois de gravada. � um dos momentos mais lindamente melanc�licos da hist�ria da m�sica pop, ocupando algum lugar entre Perfect Day, do Lou Reed, I Never Asked To Be Your Montain, do Tim Buckley, e Ribbon in the Sky, do Stevie Wonder. Repare na parte da letra que diz: "Nem foi tempo perdido / Somos t�o jovens". A juventude (nossa n�o importa nossa idade e da Legi�o Urbana) passou. Mas ainda se pode cantar: "Temos nosso pr�prio tempo". Detalhe: Dois � o disco mais vendido da Legi�o Urbana. Vendeu mais de 915 mil c�pias. Foi em busca de seu pr�prio, tempo um tempo antes de Tempo Perdido, que a Legi�o Urbana lan�ou Que Pa�s � Este 1978/1987, em novembro de 1987. O disco re�ne can��es de �pocas diferentes, v�rias delas do repert�rio do Aborto El�trico, que j� estavam sendo distribu�das em fitas piratas entre os f�s legion�rios. Tem de tudo: at� um arremendo psicod�lico de ska (Depois do Come�o) e declara��es de amor/�dio para Bras�lia. � interessante escutar os discos na ordem em que foram lan�ados. � interessante ouvir as composi��es do Aborto El�trico depois de Tempo Perdido ou "�ndios". No come�o punk predominavam letras na primeira pessoa. Com o passar do tempo, o eu foi dando lugar ao voc�. A ironia foi dando lugar a algo parecido com a sinceridade. A irritabilidade foi se transformando em tranq�ilidade. A nega��o de tudo cedeu lugar a afirma��o tr�gica do mundo. E o "no future" passou a Ter um outro sentido, um sentido que j� tinha sido cantado em 1971 pelos MC5, num disco precursor do punk: "the future is now". E se o futuro � agora, deve-se reconhecer que este j� � um admir�vel mundo novo. Um mundo que pode fazer de Faroeste Caboclo, m�sica de mais de 9 minutos, um dos maiores sucessos radiof�nicos dos anos 80, contra todas as previs�es das cartilhas das gravadoras. Ent�o: que pa�s (ou que mundo) � este? Ningu�m, sabe. E a Legi�o Urbana se recusa a dar uma resposta. Como diz a letra de Mais do Mesmo, composi��o de 1987: "E agora voc� quer um retrato do pa�s / Mas queimaram o filme". Continuamos perdidos? As Quatro Esta��es, lan�ado em outubro de 1989, � uma retomada da trilha musical apontada em Dois. A religiosidade, no sentido mais amplo dessa palavra, toma conta de todas as faixas. H� Tempos, a primeira can��o, d� o tom para o resto do disco: "Disciplina � liberdade / Compaix�o � fortaleza / Ter bondade � Ter coragem". A ir�nica rebeldia (ou simulacro de rebeldia) punk cede lugar para uma dolorosa busca da mais perfeita, agora sim, sinceridade. Mas em que basear a sinceridade se ainda continuamos absolutamente descrentes? A hist�ria do rock tem in�meros exemplos de s�bitas convers�es religiosas que duram dois ou tr�s LPs. A simpatia pelo lado demon�aco do mundo, que produziu tantos hits, parece sempre tirar a credibilidade dessas tentativas de se inventar uma �tica piedosa para o pop. O encarte de As Quatro Esta��es mostra quais s�o as fontes da religiosidade perseguida pela Legi�o Urbana: a Doutrina de Buda; o Tao Te King; a B�blia; Cam�es (que, segundo Caetano Veloso, pode ser lido com o I Ching). Essas fontes n�o s�o usadas como doutrinas, ou como solu��o para os males do mundo. A religiosidade aqui n�o � fundamento, n�o � conforto, mas sim um enfrentamento direto com o nada, com o vazio do Nirvana, com o aprendizado do amor do vazio. Tudo ainda parece melancolia: "H� tempos o encanto est� ausente" (H� Tempos); "At� bem pouco tempo atr�s / Poder�amos mudar o mundo" (Quando o Sol Bater na Janela do Teu Quarto); "Meu cora��o � t�o tosco / E t�o pobre, n�o sabe ainda / Os caminhos do mundo" (Sete Cidades). A conquista da �tica, da tranq�ilidade e do amor � feita n�o com a derrota do mal, mas apesar do mal, como uma profiss�o de f� desesperada. Determina-se: "De hoje em diante, / Todo dia vai ser o dia mais importante" (Eu Era Um Lobisomem Juvenil). E revogam-se todas as disposi��es em contr�rio. � tudo uma quest�o de vontade: "O Brasil � o pa�s do futuro / Eu quero tudo pra cima" (1965 (Duas Tribos)). Basta querer, basta querer estar do lado do Bem, para praticar a bondade. As Quatro Esta��es � um pequeno tratado sobre virtude, � um manual de como ser virtuoso depois do punk, quando j� n�o se acredita em nada. Tudo � �bvio, como se deve ser numa situa��o como essa. A Legi�o Urbana canta a lealdade, a nobreza, o carinho, a amizade. Mas canta sobretudo o amor, a mais "encantadora" das virtudes. Pois: "Quando se aprende a amar / O mundo passa a ser seu" (Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar); "Sem amor eu nada seria / S� o amor conhece o que � verdade" (Monte Castelo). Ent�o: a verdade n�o pode ser encontrada no mundo, mas ela � produto da nossa rela��o amorosa com o mundo, e mesmo com o que existe de demon�aco � punk no mundo. A aus�ncia de sentido, a imperfei��o do mundo, o "no future" n�o impede o amor: "� preciso amar as pessoas / Como se n�o houvesse amanh�" (Pais e Filhos). Mas quem fala? Quem canta? Quem diz que as coisas e as pessoas s�o assim e que devemos aprender a am�-las? As Quatro Esta��es continua, ainda bem, a ser um disco sem um centro de enuncia��o, sem o local de onde � dita a verdade. Pais e Filhos, por exemplo (talvez o maior sucesso radiof�nico desse disco), � a mais polif�nica das can��es da Legi�o Urbana. A cada verso muda quem est� falando. A can��o � feita atrav�s de cut-ups de declara��es cotidianas das mais improv�veis proced�ncias. No restante do disco, surgem in�meras cita��es: n�o importa a coer�ncia l�gica do que vai sendo contado, estrofe ap�s estrofe. O disco termina com Agnus Dei, em ora��o, pedindo paz. A paz pode ser uma d�diva il�gica. Para quem esperava a bem-aventuran�a pac�fica, ou a passagem imediata para o para�so, depois da eterna mudan�a de As Quatro Esta��es, Legi�o Urbana V deve Ter sido uma surpresa (� primeira vista, pelo menos) muito estranha. Ezequiel Neves, no press-release que escreveu para o disco, comparou esse novo conjunto de can��es a um r�quiem. Talvez tenha raz�o: V lan�ado em dezembro de 1991 � o �lbum mais triste, e talvez por isso mesmo o mais belo, da Legi�o Urbana. Mas n�o � um disco sobre a morte, nem mesmo sobre a perda, a beleza no barulho da realidade (tanto que, na foto do encarte, Renato Russo veste uma t-shirt do Jesus and Mary Chain e V � o disco menos barulhento da Legi�o), � para usar em lugar-comum um disco do inevit�vel amadurecimento. Tanto que V tem uma m�sica chamada Seren�ssima. N�o � certamente o caminho mais f�cil, nem o mais seguro, para a serenidade: "Consegui meu equil�brio / Cortejando a insanidade". Tal equil�brio s� pode ser inst�vel, em estado onde "o caos segue em frente / Com toda a calma do mundo". Mais do que isso: um estado que n�o tem nenhum futuro assegurado: "A felicidade mora aqui comigo / At� Segunda ordem" (A Montanha M�gica). A Legi�o Urbana continua a trilhar seu caminho sagrado pelo mundo profano do pop. Agora as imagens s�o mais guerreiras: o Buda de As Quatro Esta��es reaparece, mas como o cruzado alquimista, "sem sela e espada", de Metal contra as Nuvens. Uma faixa instrumental se chama A Ordem dos Templ�rios. E o disco abre com uma cantiga amorosa do s�culo XIII. Estamos de volta � Idade M�dia, vista mais como uma idade das trevas do que aquela festa cont�nua do Pasolini? Estamos de volta aos anos 70? O encarte diz: "Bem-vindos aos anos 70". Mas a introdu��o de Love Song, a primeira faixa do disco, poderia ser tamb�m a abertura de um ambient-techno do The Orb. V � um disco obscuro, herm�tico e tamb�m contemplativo. Mesmo o mais simples, o mais banal, o mais coloquial, o mais cotidiano ("Vamos chamar nossos amigos / A gente faz uma feijoada" O Mundo Anda T�o Complicado ou "Os meus amigos todos / Est�o procurando emprego" O Teatro dos Vampiros) adquire uma "densidade metaf�sica" (para citar Guimar�es Rosa) incontrol�vel. A polifonia continua solta. Talvez porque tudo fa�a sentido quando colocado lado a lado com qualquer outra coisa. A Idade das Trevas � a Idade do Ouro: "�, tudo faz sentido" (L�ge DOr). O que � uma maneira educada de dizer que nada fez. Ent�o chegamos a O Descobrimento do Brasil. N�o se trata, como poderia ser esperado de um disco lan�ado em novembro de 1993, quando aparecem bandas como Raimundos e Chico Science & Na��o Zumbi, de uma retomada das "ra�zes" nacionais. O Descobrimento do Brasil � um mergulho na hist�ria da pr�pria Legi�o Urbana, e para usar mais um lugar-comum o encerramento de um ciclo. � como se a serenidade da Legi�o Urbana de V fizesse as pazes com o desequil�brio punk do Aborto El�trico. Perfei��o, a primeira m�sica de trabalho desse disco, prova que tal pacifica��o � poss�vel. A indigna��o e a auto ironia punk da primeira parte dessa can��o terminam com hino de confian�a no futuro: "Venha, que o que vem � perfei��o". De onde vem essa convic��o? Como passamos a Ter um futuro (e uma Hist�ria) assim t�o de repente? A Legi�o Urbana d� a resposta �bvia: "O fim-do-mundo j� passou" (Vamos Fazer um Filme). Mas do ponto de vista pessoal, o mundo continua, e o mundo tem futuro, pois essa � a �nica maneira de continuar a viver: "E voc� diz que tudo terminou / Mas qualquer um pode ver: / S� terminou pra voc�" (Os Barcos). Sendo assim, nada est� perdido e continuamos a Ter todo o tempo do mundo. Nesse novo "nosso pr�prio empo" a Legi�o Urbana nos d� a �nica receita para viver nossas vidas: imaginar tudo como se fosse um "musical dos anos 30" (Vamos Fazer um Filme) no meio da Grande Depress�o. E quem disse que n�o d� pra ser feliz no meio da Grande Depress�o? E quem disse que sem Deus tudo � permitido? A Legi�o Urbana canta: "Eu n�o sei nada e continuo limpo" (A Fonte). E acrescenta, como numa atualiza��o (depois de todo esse "tempo") de Ser�: Sai de mim / Que eu n�o quero mais saber de voc�", isso porque "S� estou aberto a quem sempre foi do Bem" (Do Esp�rito). O ciclo termina com uma cren�a inabal�vel: "Meu esp�rito / Ningu�m vai conseguir quebrar" (Um Dia Perfeito). A �ltima palavra de O Descobrimento do Brasil � YEAH, gritando, virtuosamente punk. Estamos finalmente descobertos. Ao ouvinte s� resta uma resposta: Am�m. Hermano Vianna Setembro de 1995 Texto enviado por: Zippy |
|||
Skooter 1998 - 2008 |
||||