Legi�o Urbana Uma Outra Esta��o
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FOI UM RAIO FULMINANTE No anivers�rio de morte de Renato Russo, o ex-guitarrista da Legi�o Urbana, Dado Villa-Lobos, diz que o grupo acabaria mesmo se ele n�o tivesse morrido. (ISTO� - 15/10/1997) (Por Sidney Garambone) Ao contr�rio do que possa parecer, o guitarrista da Legi�o Urbana, Dado Villa-Lobos, 32 anos, n�o ficou desorientado com a morte de Renato Russo, ocorrida h� um ano em conseq��ncias da AIDS. "Mesmo se ele n�o tivesse morrido, a Legi�o teria acabado. N�o precis�vamos mais tocar no Faust�o e era preciso estar muito disposto para gravar, tocar e subir no palco", conta ele. Mas o avan�o da doen�a abreviou tudo. "O �ltimo disco, A Tempestade, foi como uma miss�o. A gente percebia que a hist�ria de nossas vidas escorria pelas m�os", relembra. Desta forma, a proximidade da morte - que est� presente em v�rias faixas do disco - deu um tom prof�tico ao CD que era para ser duplo. O material n�o aproveitado est� reunido no rec�m-lan�ado �lbum, Uma Outra Esta��o, considerado o �ltimo e definitivo trabalho do grupo. "Convidei at� nosso primeiro baixista, o Renato Rocha, para tocar numa faixa. O disco tem um fio condutor, revisionista, que viaja ao passado, volta ao presente e nos lan�a para o futuro", explica. Este futuro se chamar� Dado & O Reino Animal, um projeto que pretende abrigar, a cada disco, m�sicos e letristas diferentes. No momento, pode-se dizer que o guitarrista se mant�m distante das ra�zes antigas. Seus encontros com o baterista Marcelo Bonf�, por exemplo, t�m sido cada vez mais raros. Quanto �s lembran�as, o m�sico nascido em Bruxelas e criado em Bras�lia continua atado a elas ao falar do antigo companheiro de banda. Foi exatamente no dia 11 de outubro que o rock brasileiro perdia um acorde na figura de Renato Russo. Punk no in�cio e dona de caracter�sticas l�rico-depressivas no fim, a Legi�o Urbana arrebatou milhares de f�s. Em 15 anos de carreira vendeu mais de seis milh�es de discos, justamente por causa das letras que falavam de desencontros amorosos, problemas existenciais e familiares e outras inquieta��es do cotidiano dos jovens. Na opini�o de Dado s�o exatamente essas coisinhas mi�das que est�o faltando no rock dos anos 90. "As letras n�o me dizem nada. Atualmente s� se canta bunda, vagina e palavr�es", diz. Ao se preparar para a entrevista que deu a ISTO�, Dado Villa-Lobos estava com a barba por fazer, cal�ava um t�nis sujo e vestia uma roupa toda branca. Surpreendido pela mulher, Fernanda, m�e de seus dois filhos, que acabara de entrar no escrit�rio, o guitarrista levou uma bronca. "V� se eu vou deixar voc� sair com essa cara na foto. Fa�a essa barba, agora", ordena ela, que � designer e responde, junto com o artista pl�stico Barr�o, por todas as capas dos discos lan�ados pelo selo Rock It!, de propriedade da fam�lia. Sem planejar, Dado obedeceu e posou para a c�mera com o rosto lisinho. Um ano depois, e sem a como��o do momento, j� d� para fazer uma an�lise do que significou a perda de Renato Russo? Dado Villa-Lobos: Foi como um raio fulminante. Por mais que soub�ssemos da doen�a, n�o ag�amos como se a qualquer momento ele fosse nos deixar. Pelo contr�rio, passei a ser um voraz leitor de todas as se��es de sa�de dos jornais. Eu me lembro que quando apareceu a novidade do coquetel contra a AIDS, fui comentar cheio de otimismo com o Renato, que me respondeu lac�nico: "Cara, j� estou tomando isso faz tempo..." Diferente do Cazuza, ele n�o exp�s sua doen�a em p�blico. Voc� aprovava isso? Dado: Claro. Era uma op��o dele, correta, de n�o chatear a vida dos outros com seus problemas pessoais. Renato era discreto, na dele, e quando morreu muita gente ficou surpresa pois n�o sabia que ele tinha o v�rus da AIDS. Nesse ponto, n�s da Legi�o e os amigos mais pr�ximos conseguimos manter o segredo do grande p�blico. Soubemos respeitar corretamente a privacidade dele. O rock brasileiro est� perneta sem ele? Dado: � dif�cil dizer isso. Cada �poca tem sua linguagem e sua hist�ria. � ineg�vel que a Legi�o Urbana conseguiu passar em suas m�sicas os dramas, as alegrias e os questionamentos da gera��o dos anos 80 atrav�s de uma linguagem roqueira aut�ntica. Renato era um �dolo contestador, apol�tico, carism�tico e acima de tudo muito corajoso. N�o era daqueles que esperavam a nova onda para embarcar nela. Tanto � que gravou um disco cantando s� m�sica-baba italiana (Equil�brio Distante de 1995). O que eu tenho ouvido hoje n�o me fala nada nem representa meus sentimentos. � s� sexo e palavr�o nas letras. S� se canta bunda e vagina. Esse �ltimo disco, Uma Outra Esta��o, feito com can��es que n�o entraram no pen�ltimo, A Tempestade, tamb�m tem um tom l�rico-depressivo. Foi traum�tico entrar em est�dio novamente, mesmo que tenha sido s� para complementar o trabalho? Dado: Nos �ltimos anos, j� por causa do avan�o da AIDS, Renato passava pouco tempo no est�dio de grava��o. A id�ia inicial era gravar um disco triplo, talvez duplo. Mas desistimos. Era impressionante, ele chegava, sentava dizia um "vamo l�" e cantava as m�sicas do in�cio ao fim. E n�o repetia. S�o dois discos s� com voz-guia. Inconscientemente, perceb�amos que est�vamos diante de uma miss�o. A gente sabia que tudo aquilo ia acabar, que a hist�ria de nossas vidas escorria pelas m�os. Depois que ele morreu, n�o fazia sentido esperar muito para lan�ar as m�sicas que ficaram de fora de A Tempestade. Nossa maior preocupa��o era n�o parecer oportunista ou picareta. Uma Outra Esta��o n�o teve divulga��o alguma. Ainda encontro gente que nem sabe que ele existe e mesmo assim j� vendeu 400 mil c�pias. O disco ainda passou por um processo de acabamento. Entramos em est�dio s� para colocar as bases instrumentais que faltavam. Na �ltima sess�o, quando toquei o �ltimo acorde, levei um susto e me dei conta: ali era o �ltimo acorde da Legi�o Urbana. Acabou. Se Renato Russo fosse vivo, a Legi�o Urbana ainda existiria? Dado: N�o. A Legi�o acabaria mesmo sem a morte dele. � preciso estar disposto a gravar, tocar, subir no palco e ter que lan�ar um disco a cada dois anos. Quase sofremos pane seca por causa dessas engrenagens da ind�stria. Quando percebi isso, j� em 1992, procurei caminhos paralelos e fundei a minha gravadora, a Rock It! N�o precis�vamos mais ir ao Faust�o nem t�nhamos paci�ncia �nimo para dar shows. No �ltimo deles, em janeiro de 1996, em Santos, Renato estava t�o de saco cheio que deitou no ch�o durante a execu��o da m�sica Faroeste Caboclo. Ficou l�, nove minutos, mudo, enfastiado, enquanto a plat�ia cantava. Ningu�m ali se odiava, muito pelo contr�rio, a banda acabaria e ficar�amos amigos para sempre. Da� que esse �ltimo disco tem uma linha revisionista, com um tom brasiliense, de in�cio de carreira e com um fio condutor que � a nossa pr�pria hist�ria. Uma viagem ao passado e ao presente, um atestado de que crescemos. E o futuro? Dado: Em termos de Legi�o Urbana, l� pelo ano 2000 pode ser que sejam lan�ados alguns registros de grava��es ao vivo ou uma apresenta��o ac�stica na MTV, de 1993. Pessoalmente tenho um projeto chamado Dado & O Reino Animal, que agregaria pessoas diferentes a cada disco. Esse nome, ali�s, tem uma hist�ria curiosa. Em 1982, o Herbert Vianna me encontrou em Bras�lia. N�o havia Legi�o Urbana, eu era de outro grupo e ele precisava de uma correia de guitarra emprestada. Ele me agradeceu e batizou minha banda assim. Bom, mas voltando ao futuro, a minha gravadora, a Rock It!, vai bem, obrigado. J� lan�amos 17 discos de gente como Second Come, Chelpa Ferro e um solo do Edgar Scandurra, do IRA!, e estamos tentando provar que o Brasil est� errado ao dividir o cen�rio musical apenas em duas fatias: ou � um coc� ou toca no Faust�o e faz sucesso. � preciso apostar no meio-termo e ficar de olho na m�sica regional. Voc� n�o mostra muita simpatia pelo estilo Faust�o, mas a Legi�o nunca recusou ir ao Chacrinha, como o IRA!, por exemplo. Dado: Essa hist�ria sempre foi mal contada. Uma vez houve um programa especial de Natal do Chacrinha. Quase todos os grupo de rock estavam l�. Nos camarins, nos informaram que seria obrigat�rio o uso de um gorrinho de Papai Noel. O Biafra jogou o dele para o p�blico no meio da m�sica e teve que repetir tudo, pois na �poca j� era gravado. A gente sempre teve como lema experimentar, para depois decidir se valia a pena repetir ou n�o. Tocamos com gorrinho e tudo. Mas o IRA!, com aquele jeito paulista revoltado, se recusou terminantemente. O produtor os expulsou, eles n�o cederam e nunca mais voltaram l�. Pior que o gorrinho foi uma vez que participamos de um especial, na Globo tamb�m, chamado Fam�lia Halley. Chegamos l� vestidos de guerrilheiros porque cantar�amos Soldados, de repente um figurinista afetado manda a gente tirar tudo e se fantasiar de vikings. E a gente, morrendo de vergonha, topou. Em Uma Outra Esta��o, h� uma m�sica chamada Dado Viciado que conta a hist�ria de algu�m drogado e no fundo do po�o, mas uma frase no encarte esclarece que o personagem em quest�o n�o � voc�. Houve can��es que o Renato comp�s e com as quais voc� n�o concordava? Dado: Exagero. A m�sica � antiga e eu sempre temi ser confundido. O personagem doid�o n�o tem nada a ver comigo, � um primo do Renato. A gente nunca a tinha colocado em disco por causa disso. N�s trabalh�vamos em conjunto. Curiosamente, faz�amos a m�sica antes e depois coloc�vamos a letra, sempre feita por ele. Se eu ou o Bonf� discord�ssemos de algo ou quis�ssemos sugerir mudan�as, o debate estava aberto. Mas havia uma incompatibilidade ideol�gica e filos�fica. De que tipo? Dado: Sei l�, v�rias coisas. A gente �s vezes quebrava o pau. Por exemplo, eu costumava ficar de saco cheio daquele lado xiita gay, radical demais, do Renato. Respeitava suas opini�es, achava legal a preocupa��o dele com a causa gay, mas ele tinha a mania de achar que tudo de bom que o mundo j� nos deu hoje, artisticamente falando, foi por causa dos gays. Se n�o houvesse gays, tipo Keith Haring (grafiteiro americano que morreu de AIDS, em 1990), Arthur Rimbaud, Oscar Wilde, Michelangelo e outros, a civiliza��o n�o existiria culturalmente. Pera�, isso tem limites. At� porque gay n�o tem filho. Voc� j� viu gay casar com gay e ter um filho? Ent�o o heterossexualismo serve para alguma coisa pelo menos! Quando ele assumiu o homossexualismo publicamente voc� acha que de alguma forma isso prejudicou a banda? Em algum momento voc�s pensaram que poderiam ser tachados de integrantes de uma banda gay? Dado: De jeito algum. Foi a melhor coisa que ele fez. Todo mundo ligado intimamente a ele sabia que Renato era gay. Mas os versos "eu gosto de meninos e meninas" finalmente expuseram isso ao grande publico. Foi uma atitude corajosa, que espantou aquela educa��o crist�-romana recebida desde pequeno. A partir da� ele desencanou e o mais legal de toda a hist�ria foi que nenhum f�, por mais preconceituoso que fosse, deixou de gostar da Legi�o Urbana porque o vocalista disse que era homossexual. Isso foi muito legal. Acho que at� colaborou para diminuir o preconceito. O valent�o que gostava das letras da Legi�o teve que refletir: "P�xa, era um veado que fazia." Nesse �ltimo disco, na primeira faixa, o baixista Renato Rocha, o "Negrete", reaparece tocando. Qual foi o motivo de ele ter sa�do da Legi�o Urbana em 1988: Dado: Como eu j� disse, o disco era revisionista e definitivo, ent�o o Negrete n�o poderia faltar. Eu o convidei para tocar exatamente na faixa em que cada um do grupo se apresenta pessoalmente, numa grava��o antiga de 1986. Ele saiu quando est�vamos fazendo Quatro Esta��es, que era para ser finalizado em quatro meses e levamos um ano. Negrete s� aprontava. N�o percebeu o quanto est�vamos crescendo profissionalmente e como isso exigia responsabilidade. Nesse disco, h� faixas em que o baixo � tocado por Renato Russo porque o Negrete n�o apareceu. Quando ele inventou de morar numa fazenda no interior, a coisa se tornou insustent�vel e a sa�da dele n�o aconteceu por falta de aviso. Chegamos a fazer an�lise grupal para tentar sanar o problema, ele prometia que tudo voltaria ao normal e no dia seguinte chegava atrasado. No fundo, ele queria sair. Em nenhum momento a Legi�o Urbana se sentiu amea�ada de extin��o. Est�vamos t�o unidos que n�o chamamos ningu�m para substitu�-lo. Voc� ainda tem tocado? Dado: Tenho um estudiozinho em casa, onde me enfurno de vez em quando para compor. Os Paralamas do Sucesso tamb�m t�m me convidado para participar de alguns shows deles. Ali�s, o Bi Ribeiro (baixista dos Paralamas) eu conhe�o desde crian�a. Brinc�vamos juntos em Montevid�u. Os dois tinham pais diplomatas, por isso nasci em Bruxelas. Toquei com eles em Goi�s, Bras�lia e Curitiba neste ano. A Legi�o Urbana era da mesma gravadora dos Paralamas do Sucesso. Havia conflitos entre voc�s? Dado: Paralamas e Legi�o t�m uma origem em comum: Bras�lia. Nos tempos mambembes t�nhamos uma rela��o muito legal. Quando fomos para a mesma gravadora, a EMI - Odeon, embora a gente n�o quisesse, havia uma rivalidade. N�o digo que saud�vel porque nos separou um pouco. Mal ou bem, era o mesmo espa�o que procur�vamos. Mas estes shows em que toco junto com os Paralamas s�o um exemplo de que voltamos a ter uma rela��o legal e sadia. E o que acontece quando voc� entra no palco com uma banda que n�o � a sua? Dado: Olha, em Goi�s e Bras�lia o p�blico j� sabia, em Curitiba foi surpresa. Umas 30 mil pessoas pulando e dan�ando com os Paralamas e de repente o Herbert avisa que um convidado muito especial iria subir no palco. Quando a galera viu que era eu, aconteceu algo muito estranho e at� mesmo emocionante. Tocamos tr�s m�sicas da Legi�o Urbana, Ainda � Cedo, Eu Sei e Tempo Perdido. E todos acompanharam as can��es em sil�ncio. No final, aplaudiram emocionados. Texto enviado por:
Fabiano Moraes - Legi�o Urbana Web F� Clube |
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