Legi�o Urbana Uma Outra Esta��o
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LEROS (Edi��o inglesa)

(01/1996)

Para Renato Russo, rebeldia e estar vivo sempre foram sin�nimos. Ao lado do guitarrista Dado-Villa Lobos e do baterista Marcelo Bonf�, ele levou multid�es ao del�rio com os megashows do Legi�o Urbana pelo Brasil, foi dependente das drogas e do �lcool e agora quer explorar novas sonoridades. Recuperado, mais maduro, ele lan�a Equil�brio Distante, um disco solo com can��es italianas, mas na entrevista sua atitude continua extremamente Rock�n�roll. Renato vai muito al�m do trabalho e fala de suas experi�ncias com drogas, sua homossexualidade e a rela��o com seu filho.

(Por Vicente Lou)

A Primeira vez que vi uma entrevista com Renato Russo foi num document�rio que a BBC fez sobre o Rio em 1989 para a s�rie Rough Guide, onde, num ingl�s impec�vel, ele falava do Brasil depois da ditadura. O Legi�o Urbana foi apresentado como uma banda rebelde do n�vel do Smiths. O document�rio mostrava tamb�m Xuxa em seu programa com as crian�as e. com um disco dela na m�o, a apresentadora dizia "This has sold an appalling ten million copies and she plays lethal sadomasochistic games for the children".

Sete anos depois, Xuxa mant�m a popularidade com a mesma mediocridade. Renato Russo tamb�m continua popular, mas j� n�o mant�m a mesma rebeldia. Ele foi fundo em drogas como Ectasy, LSD, coca�na, hero�na e principalmente o �lcool. quando estava bem bebia para celebrar, quando estava mal bebia para afogar as m�goas. Para se libertar do alcoolismo acabou recorrendo � programa��o dos doze passos dos Alco�latras An�nimos. Apesar de achar que o rock "morreu, morreu, morreu, � Rolling Stones patrocinado pela Volksvagen", ele acredita que o Legi�o vai ser sempre uma banda de rock e n�o v� seu grupo com um perfil pop: "Se acontece alguma coisa na minha vida, as pessoas sabem que isso vai ser filtrado para as m�sicas, o que � uma caracter�stica do rock�n�roll. A coisa passa a ser pop quando de repente o que est� acontecendo com voc� independe do que diz a m�sica."

Renato considera a cultura pop um meio t�o fascista e retr�grado quanto qualquer outro. Mas como confiss�es escandalosas s�o mais do que previstas na carreira de um cantor de rock, o sucesso do Legi�o nunca imp�s nenhuma restri��o a sua vida. "Se eu fosse jogador de futebol ou ator da Globo, estaria fodido", ele comenta.

Renato come�ou sua carreira em Bras�lia gritando alto na banda Aborto El�trico, seguindo a recomenda��o de Johhnny Rotten, do Sex Pistols: "Fa�am suas pr�prias bandas". No final de 1984 surgia o primeiro disco do Legi�o Urbana. O segundo disco, Dois, vendeu 800 mil c�pias e os cinco �lbuns seguintes entraram na lista dos mais vendidos assim que foram lan�ados. O megaestrelato veio com a explos�o do terceiro disco, Que Pa�s � Este?, que trazia Faroeste Caboclo, um repente de nove minutos que ficou meses nas paradas de sucesso de todas as r�dios do pa�s.

Para Renato Russo, o sucesso foi uma grande surpresa: "Eu era magrelo, branquinho, com espinhas e de repente consegui ter uma banda de rock, por que n�o? O Pessoal me via 'Mas ele � que � o Renato Russo?'(voz fina imitando perua). '�, mas as letras dele s�o bacanas' (voz grave de aristocrata)."

Ele queria que suas letras atingissem as pessoas como ele foi atingido por Bob Dylan e pelos Beatles e n�o gosta quando se referem ao Legi�o como uma banda de protesto. Para Renato, a popularidade do grupo se deve � sinceridade das letras, que sempre falaram muito mais de �tica do que pol�tica. Com m�sicas falando tanto de amor quanto de disciplina, o Legi�o atingiu todas as classes sociais explorando em suas letras a rela��o do indiv�duo com a sociedade. Como a situa��o no Brasil n�o mudou muito, as letras continuam atuais at� hoje.

Em 1988, quando o Legi�o chegava ao auge, Renato declarou que era gay e ter assumido publicamente a sua homossexualidade n�o afetou muito a sua vida: "Eu achava que todo mundo j� sabia (risos). Mas ter assumido me deixou mais tranq�ilo, mais seguro, quando voc� n�o est� assumido mesmo com os amigos voc� n�o pode expressar o que voc� realmente sente. Eu sempre fui mais sens�vel do que os meus amiguinhos bofes, sempre tive uma vis�o diferente das coisas e assumir ajuda voc� a trabalhar isso na sua vida, mesmo porque as meninas me achavam super gente fina e ficavam pensando que eu era ot�rio. Ent�o hoje eu brinco at� com a minha m�e. �s vezes ela ficava desconcertada mas outro dia ela viu um casal gay, os dois bem vestidinhos, de �culos, e disse 'Ah, meu filho, arruma um que nem ele' (risos), ent�o agora o discurso mudou, agora � 'Ah, meu filho, arruma um dentista' (voz aguda imitando a m�e). E isso � legal, ter uma identidade gay para mim � uma quest�o pol�tica. Uma vez eu fui com um namorado numa festa gay e � gozado que apesar de estar namorando comigo ele n�o tinha essa identidade e chegava pra mim dizendo 'Nossa, Renato, quanto viado!'. Eu fiquei dando risada porque ele n�o se achava gay nem nada."

Renato n�o acredita que no Brasil os homossexuais sejam mais oprimidos do que em outros pa�ses: "No Rio voc� pode gostar de �pera e de Sex Pistols sem nenhum problema. Nos Estados Unidos, pela roupa que a pessoa usa voc� sabe o que ela pensa. Tem um c�digo de imagem muito canalizado e muito complicado, que n�o resolve nada. Em Londres se voc� � gay, voc� s� fala com gay, s� freq�enta o clube tal, � tudo setorizado. Em Nova York tem os guetos, ent�o o padeiro � gay, o a�ougueiro � gay, mas eles n�o t�m prote��o nenhuma e depois fica aquela coisa de (voz aguda desmunhecada) 'Agora eu moro aqui com o Mike e n�o quero saber da vida dos vizinhos'. Vai ser igualzinho aos heterossexuais. O que as bichas querem � casar, criam um tipo de organiza��o para reivindicar os mesmos direitos e entrar num sistema moralmente falido. E para que? Para ser babaca como os outros. Eu quero freq�entar todos os ambientes, ter todos os tipos de amigos e n�o ser conhecido como 'Sou gay', ou 'Sou Flamengo' ou 'Sou Anarquista'. A �nica coisa legal � a luta que eles t�m travado para fazer algo pela quest�o da AIDS, ent�o nos EUA tem o pessoal do Act Up, do GMHC. Na Inglaterra tem esse grupo de teatro Gay Sweat-shop, que eu acho legal, aquela coisa assim 'as bichas irlandesas querem a liberdade' (voz aguda). Mas eles falam muito e ningu�m transa, voc� quer povo mais enrustido do que o ingl�s? Aqueles caras com aquele cabelinho azul. Pra que? Eu prefiro at� que as pessoas nem se exponham tanto, mas que o sexo role numa boa, e essa � a grande contribui��o que o Brasil pode dar. A sexualidade brasileira � uma coisa muito louca. A gente � extremamente sensual, n�o precisa nem carnaval, aqui todo mundo transa. Agora, n�o se tem no��o nenhuma do politicamente correto, n�? Ent�o se algu�m chega dizendo 'E a�, viado!' eu viro e digo 'Rico e famoso', entendeu?"

A revela��o de sua homossexualidade tamb�m n�o afetou em nada o sucesso da banda. O que distanciou um pouco Renato dos companheiros Dado e Bonf� foi a sua depend�ncia qu�mica, que o deixava completamente angustiado e deprimido. ele n�o v� glamouriza�ao nenhuma em suas experi�ncias com drogas. A hero�na, por exemplo, ele come�ou tomando numas de brincadeira com um ex-namorado e, quando o relacionamento acabou, ele percebeu que estava viciado e foram dois meses de luta para se libertar. As trips de �cido foram as mais marcantes: "Tomei �cido umas quatro vezes e foi uma coisa que realmente mudou minha cabe�a, foi uma coisa de 'Uh', de sentir as mol�culas, o ying-yang, tudo. Voc� chega pro sof� 'Oi sof�, voc� � meu amigo sabe?'. � uma coisa muito assustadora."

Renato acha que as drogas o levaram a est�gios que ele j� havia vivido naturalmente, por isso gostava tanto. Mas hoje nem baseado ele fuma: "Agora que estou limpo vejo o quanto a droga � pesada. Se eu preciso de um baseado para gostar de um filme � porque o filme n�o presta, eu n�o deveria estar assistindo."

Aos 35 anos, Renato Russo se considera conservador. Ele acredita na fam�lia e valoriza extremamente os princ�pios que absorveu de sua educa��o, como a honestidade e a integridade. Na sua fase de indefini��o sexual, uma namorada ficou gr�vida e seu filho, Giuliano, est� com seis anos. Renato confia muito nos pais e fica tranq�ilo em deixar seu filho ser criado por eles. A rela��o dos dois � como de dois irm�os, como ele explica: "N�o tem como eu tomar conta de uma crian�a, acho que vou ser meio boboca e adolescente o resto da minha vida, � de minha natureza. Giuliano precisa de uma boa base porque na nossa sociedade n�o existe espa�o para uma crian�a filha de um roqueiro gay. Ele vai ter que ter uma sanidade, vai ter que trabalhar isso. Tem crian�as que s�o meio chatinhas mas o Giuliano � muito legal. N�s n�o temos um padr�o de comportamento de pai e filho mas a gente tem uma dose de disciplina e respeito muito grande. Porque a crian�a manipula muito e eu tento cortar isto ao m�ximo. � sempre aquilo (voz aguda imitando o filho), 'Ah, pai, compra pra mim?' '� seu anivers�rio? � dia da crian�a?' '� seu anivers�rio? � dia da crian�a?' '� daqui a muito tempo, meu filho'. E de repente num outro dia eu chego com um presente sem eira nem beira, gosto de ser generoso. Ele n�o gosta de rock�n�roll e fica assistindo A Flauta M�gica. Outro dia tava tocando Mozart e ele me pediu (voz aguda) 'Aumenta, pai, que � a m�sica da Flauta M�gica'."

Renato Russo passou a maior parte de 1995 se dedicando ao seu segundo disco solo, Equil�brio Distante, lan�ado no m�s passado, todo cantado em italiano e sem nenhum sotaque. Ele foi � It�lia gravar o disco e, sendo descendente de italianos (seu nome real � Renato Manfredini), n�o teve nenhum problema de integra��o.

Em Equil�brio Distante, ele foge da seriedade do Legi�o Urbana e mergulha em can��es mel�dicas e rom�nticas como La Forza de la Vita, que fala da AIDS, e em algumas um tanto bregas, como Strani Amore (com frases do tipo "eu quero um amor verdadeiro" acompanhadas por aquele pianinho) m ou Scrivi Me, cuja letra segue exatamente a linha que o t�tulo sugere.

Os f�s mais ardorosos do Legi�o, como eu, v�o precisar de um tempo para digerir um disco t�o auto-indulgente, mas o receio que Renato Russo tinha de soas como Gilliard era injustificado. Sua voz est� cada vez mais apurada, os arranjos s�o bem sofisticados e se parte de seu p�blico entrar numas de 'vai indo que eu n�o vou', can��es como La Solitudine ir�o com certeza atrair os ouvidos mais rom�nticos. Tanto que o disco j� vendeu mais de 100 mil c�pias.

Ele est� tamb�m envolvido com um luxuoso projeto da EMI-Odeon intitulado Por Enquanto - 1984/1995: uma caixa de metal contendo os seis CDs do Legi�o Urbana. Os �lbuns foram remasterizados nos lend�rios est�dios da Abbey Road, em Londres, e v�m acompanhados por um livreto de 60 p�gina, onde o antrop�logo Herbert Vianna, do Paralamas, conta a hist�ria do Legi�o.

Esta � a mais luxuosa compila��o j� lan�ado por um grupo de rock brasileiro e o investimento da gravadora � mais do que justificado. Nos �ltimos 11 anos o Legi�o figura nas paradas sem necessidade de um grande esquema de marketing e com raras apari��es na imprensa. Qualquer jornalista que, como aconteceu ano passado, tentar contatar Renato Russo para saber se ele preferiu o show da Gal ao da Beth�nia, ou se ele gostava mais do Beatles do que os Stones vai ser totalmente ignorado: "Foda-se a imprensa. Sou formado em jornalismo e sei como funciona essa corja. O Caetano lan�a um disco e ningu�m sabe opinar. Muitos mal podem comprar um CD e v�m dizer que El�stica � o m�ximo porque um boboca l� do Melody Maker recomendou. Depois que o p�blico conhecer o �lbum eles v�o ver que El�stica � uma merda. S�o raras as exce��es e o Caetano tem toda a raz�o, essas bichas s�o danadinhas".

Este ano o Legi�o lan�a um novo �lbum mas Renato n�o tem a menor id�ia de como v�o ser as letras, porque n�o quer ficar reclamando num tom depressivo: "O Brasil est� numa fase de transi��o, os computadores agora � que est�o chegando, Internet aqui n�o chegou mesmo, ent�o a gente fica nesse limbo. N�o d� pra acreditar na grande m�dia e tem pessoas completamente servis, que acreditam em tudo o que l�em. O que este sistema hetero-normativo imprime no inconsciente coletivo � que se voc� � crian�a, mulher, ou qualquer outra minoria ou ra�a, voc� n�o tem direitos. � s� macho-adulto-branco � que tem direitos, n�o existe no��o de bom senso em quest�es b�sicas como o controle de natalidade, por exemplo. E o macho-adulto-branco no Brasil tamb�m pena, n�o consegue sustentar uma fam�lia, n�o consegue um trabalho digno, entende? Ent�o eu acho importante a gente continuar falando de solidariedade, de �tica, mas usando uma linguagem clara, n�o necessariamente simples, mas clara".

Renato n�o gosta de esportes e evita ir � praia no Rio porque est� fora de forma e � um pouco inseguro. Antes de nos despedirmos, ele me d� de presente uma cole��o de CDs do Legi�o e, vestindo shorts com aquelas pernas brancas e aquele �clinhos, ele lembra muito aqueles meninos do gin�sio que tiravam as notas mais altas da classe em matem�tica.

Quando generosamente ele me mostra o encarte do primeiro disco solo, Stonewall, explicando que ali se encontram endere�os de organiza��es n�o governamentais que apoiam mulheres, crian�as de rua e aid�ticos, seu ar fr�gil de adolescente fica ainda mais evidente, como que ilustrando a fase 'back to basis' que ele menciona quando pergunto quais seus planos para o futuro: "Estou come�ando a aprender a receber as coisas boas que aparecem no meu caminho. Eu consegui fazer parte de uma banda de rock, fico super feliz de poder estar aqui com ar condicionado dando essa entrevista, com a roupa que eu quero, sabendo que eu tenho a oportunidade de falar para pessoas que n�o conhe�o, que nunca me viram. Isso � maravilhoso. Essa simplicidade � a melhor coisa do mundo. Tem comida na geladeira e se de repente eu abrir essa porta, tem meu suquinho de p�ssego, a minha ma�a, � s� o que eu preciso. Quero lidar melhor com esta postura rock�n�roll porque sen�o voc� acaba se matando como o Kurt Cobain. O menino se matou e voc� pensa 'Mas n�o precisava'. Mas na cabe�a dele precisava, era uma coisa muito pesada, voc� n�o pode levar a s�rio desse jeito."

 

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