Legi�o Urbana Uma Outra Esta��o
|
||||
|
UM ANO SEM RENATO Em m�sicas e depoimentos, ele ratificava: n�o h� dec�ncia numa sociedade que despreza os mais fracos. (Manchete 18/10/1997) (Por Eliane Lobato) Em junho de 1995, a revista SuiGeneris, dedicada exclusivamente ao p�blico gay, me pediu um perfil de Renato Russo, o l�der da banda Legi�o Urbana. Essa acabou sendo a �ltima grande entrevista do m�sico. Parte dela foi publicada na reportagem de capa daquela publica��o. Muita coisa das duas horas de conversa gravada, entretanto, ficou de fora. Ele falou sobre m�sica, drogas, homossexualismo, casamento gay, projetos, filho, Legi�o, fam�lia. S� levantou um pared�o quando foi perguntado se era soropositivo. "Isso � problema meu. Eu n�o abro." De fato, era um problema dele, um problem�o que Renato vivia h� uns cinco anos longe do p�blico e at� de amigos. Por isso, a not�cia sobre sua morte, em 11 de outubro do ano passado, caiu como uma bomba. Dois dias depois da entrevista, Renato Russo ligou para o editor Nelson Freitas e perguntou se poderia incluir uma frase no depoimento. Essa: "A dor � inevit�vel, mas o sofrimento � opcional." Fechei a entrevista com ela, certa de que era mensagem para algu�m. A� foi a minha vez de pedir um favor ao Nelson: que sondasse Renato Russo sobre a possibilidade de fazer um livro biogr�fico. "Ele achou interessante. S� que n�o d� agora. Tem que ser depois do lan�amento do disco", foi a resposta. Mas n�o houve esse depois. A sa�de de Renato foi piorando, ele se exilou no apartamento em Ipanema, sumiu da m�dia, acabou morrendo em casa, como era seu desejo. Deixou uma gigantesca legi�o de amigos com dor e sofrimento inevit�veis. A ENTREVISTA Sobre o que fala a m�sica "O Mundo dos Outros", que est� no disco novo? Renato: Fala da condi��o do autor, que � cego. Mas como ele n�o � muito espec�fico, pude utilizar essa can��o e fazer uma leitura como se fosse a diferen�a que, digamos, o gay, a l�sbica, ou qualquer minoria tem em rela��o ao mundo dos outros. � muito sutil. Seria mais ou menos por exemplo assim: se eu cantar Atr�s da Porta, por exemplo, � diferente de o Chico (Buarque). As pessoas perceberiam que t� investindo a letra com significado emocional que parte da minha experi�ncia pessoal. Quando eu cantar "quando olhaste bem nos olhos meus e o teu olhar era de adeus" as pessoas v�o dizer: tadinha, a bicha t� sofrendo de novo. Entendeu? Voc� gosta de estar apaixonado? Renato: N�o, prefiro sexo e amizade. (E canta: "Ent�o est� combinado � tudo somente...") Como est� sua vida sentimental agora? Renato: Eu acabei um relacionamento agora que foi uma coisa muito chata. Eu tava l�, maravilhoso, a outra pessoa chegou e falou assim: "Olha, Renato, eu gosto muito de voc�, mas voc� � bom demais pra mim." P�, me diz que eu tenho mau h�lito, que n�o gosta dos meus amigos, qualquer coisa, menos vamos ser bons amigos, sabe? N�o t� a fim, tchau, pt, sauda��es. N�o t� sendo f�cil pra mim, � horr�vel. Eu n�o suporto mentira. Mas, mais do que isso, o que eu n�o ag�ento mesmo � gay n�o resolvido. Cruzes, � o fim! Se o cara gosta de meninas, tem uma namorada, imagina, n�o tem problema nenhum, todo mundo � humano. Agora, mentir. Se eu fosse uma menina e descobrisse que o bofe tava dando pra outro homem, ia ficar muito puto. Voc� est� sozinho? Renato: Mais ou menos. Eu tenho meus amigos e tudo, n�? Rola uma brincadeira aqui, outra ali. Como � o nome de seu filho? Foi produ��o independente? Renato: Giuliano. Foi, mas eu n�o falo sobre isso. Isso � minha vida particular. Ele fica com voc�? Renato: N�o, eu n�o tenho como tomar conta de crian�a. Ele mora com meus pais. Ele chama a minha m�e de m�e. Eu sou o J�nior. Mas quando ele quer alguma coisa, me chama de pai. Mas em geral eu ligo pra l� e ele fala : "M�e, � o J�nior." Eu falo (engrossando voz): "Que J�nior o qu�? Eu sou seu pai, mais respeito!" Ele � muito gente-fina. � b�o, n�? Eu aprendi muita coisa com ele. Eu achava assim: vou ensinar. Que nada! Aprendi muito sobre mim mesmo, sobre certas atitudes. Quando ele fala assim: "Pai, n�o pode jogar cigarro na plantinha." Eu penso: "Ih, que que eu vou agora, n�?" A� digo s�: "T� bom Giuliano." "Pai, voc� t� fumando de novo?" � interessante ver esse processo. Eles acreditam muito na gente. N�o quero perder a confian�a dele, a amizade. Voc� ter se assumindo gay ajudou ou prejudicou sua carreira? Renato: Nem um nem outro. Pra mim, a coisa mais fabulosa foi a posi��o de todo o resto em rela��o a mim. Acho que, quando a pessoa se assume, o que quer que seja, a maior parte acaba respeitando. Agora, sendo eu macho, adulto, branco, a coisa � completamente diferente. Se eu fosse uma menina, ou negro, ou menor, ou pessoa idosa... entende? Ent�o, eu n�o tenho que ouvir que n�o fui capaz de arranjar uma mulher. E todas as minhas amigas homossexuais est�o de saco cheio de as pessoas dizerem: "Tadinhas, � por que n�o conseguem uma piroca." � moralismo tipicamente brasileiro? Renato: Acho que tudo caiu na quest�o da heterossexualidade normativa. Os hetero � que n�o se resolvem. Assumir um papel social que n�o � o papel do macho, no esquema bofe / perua, sabe, carro do ano, filho na escola... Isso � muito complicado para algumas pessoas. Eu conhe�o v�rios gays que, se tiverem que mentir, fingir, casar, eles v�o fazer isso. Acho que isso � um problema de como o Estado, o sistema, a Igreja regula essa quest�o heteronormativa. Aqui no Brasil temos ene fam�lias onde a crian�a � educada pelos tios ou av�s, e a sociedade n�o v� isso. � pai e m�e e pronto, acabou. Todo mundo que eu conhe�o � separado. E n�o existe um debate sobre isso. � muito f�cil ficar falando do gay, mas os hetero s�o mais oprimidos do que qualquer pessoa. � um sistema brutal que d� ilus�o de que existe liberdade sexual, quando isso n�o existe. O modelo que existe � a perua que desfila na escola de samba, � a atriz da Globo que casou com o bofe da Globo e a gente n�o sabe se s�o, se n�o s�o, e tanto faz por que eles est�o seguindo o papel social. Mas fam�lia existe de v�rios tipos hoje em dia. O processo de ado��o no Brasil � completamente est�pido e tem muitos casais e pessoas boas, de bom cora��o, que poderiam e gostariam de estar colaborando e n�o podem porque h� entrave da Justi�a. Porque, para a sociedade, s� existe o bofe e a perua. Isso te revolta? Renato: Para mim n�o � problema. Eu j� sou considerado doente, pervertido e, pra grande parcela da sociedade, mere�o ir pro inferno. Mas tem coisas que me revoltam mais. Quando vejo aqueles velhinhos desmaiando em filas de aposentado eu acho isso o fim do mundo. Por que voc� resolveu fazer o disco "Equil�brio Distante"? Renato: De repente, me toquei que a Legi�o Urbana est� com 10 anos de carreira e eu s� sei fazer essas coisas da Legi�o. Ent�o por que, ora bolas, n�o tentar fazer um trabalho diferente? Descobri que fazer m�sica pop � muito dif�cil. O pop tem certas regras. O som tem que ser realmente mais limpo, os arranjos e as pr�prias m�sicas seguem um determinado padr�o. O pop come�a, apresenta uma id�ia, um arranjo. Eu, tamb�m quis testar o p�blico. N�o � usar como cobaia. � que, pra mim, a Legi�o � uma banda folk, que trabalha dentro do rock, mas � percebida como pop. � um disco light? Renato: � espec�fico. N�o fala que as crian�as est�o passando fome, fala do momento de uma pessoa que est� passando na rua, v� uma determinada cena, fica sensibilizada e trabalha aquilo como pessoa. N�o � Haiti, do Caetano; n�o � Carandiru. � mais uma coisa como Tempo Perdido, que fala de situa��o social. Mas tem tamb�m as mais espec�ficas. Uma das que mais gosto chama A For�a da Vida. Diz que, quando voc� achar que t� tudo perdido, quando voc� menos esperar, vai sentir a for�a da vida e vai ver que isso � o que faz a gente levar as coisas adiante. Essa m�sica fala de AIDS, viol�ncia e tudo. A AIDS fez o movimento gay retroceder? Renato: Acho que a AIDS fez com que a gente aprendesse que, de repente, n�o adianta transar com 20 pessoas diferentes numa noite. O problema � que a AIDS � mortal, mas o que tinha de gente pegando pereba, s�filis, cancro, gonorr�ia. O erro foi cair naquela coisa "n�s somos livres pra fazer o que quisermos". Somos, mas vamos com calma. Voc� pode ser at� prom�scuo, mas se j� � a terceira vez que vai no m�dico porque t� com c�ndida, se toca, amigo! Voc� � soropositivo? Renato: Isso � problema meu. Isso eu... eu n�o abro. Mas isso realmente n�o importa. Eu me comporto como se fosse positivo se � isso que voc� quer saber. Camisinha sempre. Eu conhe�o pessoas que s�o soropositivo e n�o tomam cuidado. Que n�o t�m informa��o e t�m pregui�a de se informar sobre se, por exemplo, sexo oral de determinada maneira � seguro ou n�o. Claro que a transmiss�o heterossexual n�o � t�o imediata, digamos, quanto a homossexual. Mas quantos brasileiros gostam de sexo anal? Imagina! Brasileiro adora bunda! Voc� abandonou as drogas? Renato: Passei 15 anos da minha vida me destruindo com drogas e �lcool. Cheguei a um ponto que nada mais me interessava, nada me dava prazer, eu estava que nem o Kurt Cobain (do Nirvana). Estava muito deprimido. Me sentia um miser�vel. Tudo era conflitante, eu amava meu filho desesperadamente e me sentia culpado. De manh�, quando sa�a pra comprar jornal, aproveitava pra passar no boteco e bebia pra caramba. Voltava pra casa achando tudo uma merda. Mudei quando bateu o medo de morrer. Eu at� achei que o que me impulsionava era o fato de estar magoando meus pais ou a vontade de que meu filho n�o tivesse um pai suicida. Voc� chegou ao fundo do po�o, n�o �? Renato: Eu s� sa�a de casa por obriga��o. Quando tinha que ir, por exemplo, � entrega de um pr�mio, ficava o dia inteiro me preparando pra parecer legal e todo mundo achar que eu n�o tinha problema nenhum. Bebia antes de sair para recusar polidamente as bebidas que serviriam na festa. E enfiava a cara na garrafa quando voltava pra casa. Estava inchado, mas me olhava no espelho e dizia: t� gordinho, ningu�m vai perceber que n�o estou bem. Sa� desse buraco com a ajuda dos Alc�olicos An�nimos e com o pessoal da Vila Serena, em Santa Teresa. Vi que bebia e me drogava n�o por que eu era um sem-vergonha, pervertido, vagabundo, e sim por que eu era v�tima de uma doen�a. Voc� � a favor da oficializa��o do casamento entre homossexual? Renato: Na minha opini�o, o gay � an�rquico, rebelde, tem uma sensibilidade diferente. Casamento, para mim, n�o � uma quest�o importante. Se querem casar, tudo bem. Agora, foram cinco mil anos de opress�o heterossexual, quer repetir isso? Acho que a uni�o tem que ser legalmente reconhecida, tem que ter direito a heran�a, plano de sa�de etc. Mas casamento, sinceramente. O que o padre vai falar? Voc� Jo�o Roberto se compromete a obedecer ao Z� Carlos...? Quem vai ser o homem, quem vai ser a mulher? Quem vai ser o bofe que toma conta da casa e quem vai ser a outra parte submissa? Comigo n�o funciona assim. N�o quero estar com um cara que fique em casa cozinhando. Quando estou com algu�m, um dia um cozinha, outro dia, outro, por que ambos trabalhamos. Melhor ainda, contratamos uma boa empregada e ningu�m fica com a obriga��o. Texto enviado por:
Fabiano Moraes - Legi�o Urbana Web F� Clube |
|||
Skooter 1998 - 2008 |
||||