Legi�o Urbana Uma Outra Esta��o
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Roqueiro Brasileiro - Renato Russo Em nova fase de vida, Renato
Russo, aos 34 anos, se recupera de um profundo mergulho no
�lcool e nas drogas e de uma arrebatadora paix�o, enquanto
confecciona o pr�ximo disco da Legi�o Urbana e planeja a melhor
maneira de educar seu filho, Giuliano de cinco anos. Marie Claire - Como foi que a m�sica entrou na
sua vida ? MC - Quem s�o seus pais ? RR - Meu pai � neto de dois imigrantes
italianos, primo de segundo grau de minha m�e e primo-irm�o de
minha av�. Ele � economista, est� aposentado e tem 70 anos.
Minha m�e era professora, mas, quando se casou, parou de
trabalhar. Meu pai veio para o Rio para trabalhar no Banco do
Brasil e inaugurou a gera��o classe m�dia urbana da fam�lia,
que antes, plantava mate no Paran�. E tome Banco do Brasil,
muito Banco do Brasil... MC - Ent�o o roqueiro de "Que Pa�s �
Este ?" � um leg�timo filho de funcion�rio p�blico ? RR - �, com certeza. Se bem que funcion�rio
do Banco do Brasil n�o se considera funcion�rio p�blico, voc�
sabe ... MC - � elite. RR - �. Isso influenciou muito minha vida.
Hoje, n�o sei ... Mas eu sempre tive muita estabilidade na vida
por causa do banco. Mesmo na �poca da revolu��o. Meus amigos
contam outro tipo de hist�ria. Para a gente, era assim: o Brasil
est� indo para a frente e n�s estamos indo junto, entende ? Eu
nunca soube de nada das coisas que aconteciam, Achava o M�dici o
maior presidente do mundo. MC - Voc� nasceu no Rio mesmo ? RR - Eu era de classe m�dia-m�dia suburbana,
da Ilha do Governador. Vivi l� at� 1967. Ent�o mudamos para
Nova York, onde vivi dos sete aos dez anos. Ficamos mais tr�s
anos no Rio e fomos para Bras�lia, quando eu tinha 13 anos.
Nunca me faltou nada. Nada mesmo. Meus pais s�o maravilhosos,
est�o juntos at� hoje. Tive muito problema com isso porque me
senti culpado, durante a adolesc�ncia. Por n�o corresponder �s
expectativas deles, de uma vida bem comportada. Eles s�o
supersimp�ticos, inteligentes, t�m um casamento de sonhos,
maravilhoso e tal. Para mim, tudo isso era um carma, entendeu ?
Eu era e ainda sou um pouco terr�vel. MC -Como foi virar gente em Bras�lia ? RR - Bem, eu n�o sei se virei gente ainda ...
Vivi em Bras�lia dos 13 aos 23 anos, e ali, depois de algum
tempo, meu mundo da inf�ncia que era muito seguro, come�ou a
mudar. Mas se entrar aqui o J�nior (uma auto refer�ncia), com
oito anos de idade, � a mesma pessoa. Talvez eu estranhe se
entrar o J�nior com com 16, 18 anos de idade. Mas os valores
s�o os mesmos. MC - Por que voc� se estranharia com 16, 17
anos ? RR - Porque eu era muito confuso. Foi uma fase
que durou muito tempo at� o comecinho da Legi�o Urbana. Eu me
perdi. Eu tinha uma vida de sonho. Aos 17 anos acabou, sabe ? Fui
para o mundo. Surgiram aquelas confus�es sexuais da
adolesc�ncia e d�vidas. MC - Qual foi o seu primeiro trabalho ? RR - Foi na Cultura Inglesa, em Bras�lia, como
monitor. Depois, virei professor. Tinha 15 anos, idade e, que vi
meu primeiro show de rock, da Rita Lee, no gin�sio do Col�gio
Marista. Fiquei emocionado. Mas n�o pude ir ao segundo. MC - Por qu� ? RR - Porque um resultado m�dico mudou minha
vida. Estava com epifisi�lise, doen�a que destr�i a
extremidade dos ossos. Minha perna estava pendurada s� pela
pele, entre o f�mur e a bacia. Meu mundo acabou. Fui operado e
fui v�tima de erros m�dicos. O cara colocou o pino dentro do
nervo. Contra��es involunt�rias me faziam gritar de dor. Fiz
outras opera��es. Perdi dois anos de vida com medo de sentir
dor, isolado, fora de tudo. MC - Como voc� voltou ao mundo depois de dois
anos entre a cama e a cadeira de rodas ? RR - Quando voltei para o col�gio, aos 17
anos, era um menino diferente. Distante. MC - Distante por qu� ? RR - Porque fiquei de fora. Observava tudo com
olhar de estrangeiro. MC - Quem s�o o Eduardo e M�nica da m�sica ? RR - Acabei me aproximando, gra�as a m�sica,
de um tal Fernando, que tinha chegado de Paris com uma grande
cole��o de discos - Traffic, Eric Clapton, tudo. Morava sozinho
e namorava uma menina com filhos, a L�o. Isso era 77,78. � ela
a M�nica da m�sica e eu sou o Eduardo, s� que menos bobo. MC - Menos bobo ? RR - �, eu lia, n�o era aquela coisa
clube-e-televis�o da letra. Teve uma �poca que eu trabalhava
num jornal, na Cultura Inglesa e fazia faculdade. Sei que quando
o Sid Vicious, do Sex Pistols, morreu, tomei o primeiro porre da
minha vida. E a partir da� comecei a usar muitas drogas. MC - S� a partir da� ? RR - �, quer dizer...eu j� usava, mas era de
fim de semana. At� essa �poca era s� bagulhinho e �lcool. A
cannabis (maconha), voc� sabe, afeta a mem�ria, mas acho que
j� t�nhamos formado o Aborto El�trico. MC - Ah! Sua primeira banda punk. RR - �. Ensaio todo o fim de semana. Nessa
fase explodiu tudo o que eu n�o vivi nos dois anos em que eu
fiquei de cama. Apareceu uma nova gera��o no rock que dizia:
"Voc� n�o precisa estudar m�sica para fazer rock'n'roll.
Voc� pode pegar uma guitarra e fazer". Eram os punks.
Nossos padrinhos foram os Paralamas do Sucesso. MC - E o que mais o fascinava nisso tudo ? RR - Ter encontrado um jeito de ter poder. �
divertido. MC - Como foi enfrentar o mundo machista do
rock para voc� que � RR - O mundo do rock n�o � bem assim. Ele �
mis�gino. O que vale nesse mundo n�o � saber se voc� � gay
ou n�o. � saber quem � mais louco, quem vende mais disco, quem
ganha mais dinheiro. Era aquela coisa de querer se mostrar, do
exibicionismo, da vaidade mesmo. De se transformar em �dolo. MC - Para o Legi�o, pol�tica e injusti�a
social sempre v�m antes do conflito de gera��es... RR - O Legi�o chamou muita aten��o porque
surgiu no per�odo da abertura, da redemocratiza��o. Mas,
basicamente, o que escrevemos s�o can��es de amor. Uma coisa
talvez at� adolescente demais. At� pelo meu hist�rico
familiar, eu preservo a fam�lia. Falo mal � das institui��es.
Eu j� fiz est�dio vir abaixo e tomei v�rias atitudes rebeldes,
mas dou muito valor a fam�lia. Porque ela que me segura. MC - A gera��o mais nova � diferente da sua
? RR - �. S�o menos agressivos. � uma
gera��o mais passiva. J� est�o acostumados � viol�ncia.
T�m Netuno em Sagit�rio e n�o Escorpi�o, como minha
gera��o, que lida com o instinto de morte, e � mais louca,
exibicionista, cheia de altos e baixos. Essa gera��o atual �
mais do "vamos com calma para ver o que vai acontecer". MC - Voc� � de esquerda ? RR - Sou anarquista e individualista. Tenho uma
vis�o po�tica, mas n�o me considero poeta. Procuro o belo. MC - A gera��o atual � mais alienada que a
sua ? RR - N�o. O que existe hoje � consumismo
desenfreado. � a TV dizendo qual o seu sonho de consumo. Isso
existe h� d�cadas, mas n�o como hoje. Tanto que agora existe
uma discuss�o �tica sobre valores �ticos no pa�s e n�o se
chega a conclus�o nenhuma. As pessoas perderam o sotaque e
Macei� � igual a Porto Alegre. Uma pasteuriza��o que o
fascismo usa muito bem. MC - Seu disco foi feito para a campanha contra
a fome do Betinho. Quanto voc� doou do seus direitos ? RR - Cinquenta por cento. MC - Com esse disco, voc� assume a bandeira do
homossexualismo e deflagra uma carreira solo. Vai seguir por a�? RR - O Legi�o Urbana continua. S�o coisas
distintas e por isso as m�sicas do disco solo s�o
"covers" (regrava��es de sucessos) em ingl�s. MC - Primeiro emprego aos 15, primeira banda
aos 17. E o primeiro namoro ? RR - Nunca tive, na verdade. A n�o ser a
Lu�za, quando eu tinha 11 para 12 anos, na Ilha do Governador.
Mas n�o era uma coisa de namoro exatamente, era de troca. Porque
eu era gay. Eu sou gay, entendeu ? MC - Voc� j� se reconhecia como gay ? RR - Eu sabia que era desde os quatro anos de
idade. Quer dizer, eu n�o sabia que era gay-gay! Eu tinha uma
afei��o muito grande pelas meninas, mas n�o pensava nelas em
termos sexuais, de posse. N�o precisava de proximidade f�sica,
beijo ou sacanagem. A gente pegava o disco do irm�o mais velho
da Lu�za e ficava ouvindo Cat Stevens e James Taylor, sabe ? MC - Voc� nunca sentiu atra��o sexual por
mulher ? RR - N�o. Absolutamente. Aos quatro anos, eu
n�o brincava de m�dico com meninas. Para mim, isso n�o tinha
gra�a nenhuma. Eu sabia que sexo era proibido. Sou de fam�lia
cat�lica, italiana. Sabia que tinha as brincadeiras com as
meninas, mas eu queria ver como eram os "peruzinhos"
dos meninos. MC - A repress�o influenciou sua op��o
sexual ? RR - N�o. O ato sexual n�o tem nada a ver com
a sua op��o. Tanto � que eu tive um filho e namorei mulheres.
Eu n�o quero citar nomes, mas tive um caso t�rrido com uma
atriz de cinema e TV. Tem homem que tem uma dificuldade brutal.
Comigo n�o, eu me excito. MC - Seus maiores amores foram homens, ou
mulheres ? RR - Ambos. Uma coisa eu posso dizer: todas as
mulheres que j� se apaixonaram por mim s�o hoje minhas melhores
amigas. Eu me apaixonava, mas n�o carnalmente. Gostava, achava
divertido e tudo, mas pensava: "N�o � isso que eu quero,
est� faltando alguma coisa". Por muito tempo busquei
relacionamentos com mulheres para provar que eu era homem. MC - At� quando durou isso ? RR - At� hoje. Porque eu amo as mulheres.
Espero que ela n�o fique chateada, � uma mulher casada...mas a
Carla Camurati, eu encontrei na casa de um amigo. Ela � linda.
Meu tipo. Fiquei babando. Pensei: "Gente do c�u, � a
mulher da minha vida". Mas eu sei que n�o � por a�.
Porque a gente pode estar junto e compartilhar tudo, mas de
repente, passa um bofe bonito...Sabe, eu tenho tara por bunda
cabeluda, por p�, por falo, pelo torso masculino, pela coisa da
barba. O que me atrai na mulher � a ess�ncia da mulher. N�o o
corpo. No homem, a ess�ncia se traduz no corpo. Tamb�m acho que
nunca vou satisfazer a mulher completamente. Sou o bofe por
excel�ncia. Sou macho, minha filha... Me sinto muito mais a
vontade em uma rela��o com outro homem. Homem n�o pode fingir.
Ou est� de pau duro ou n�o est�. Eu entendo o que o outro cara
pensa, conhe�o o cheiro, conhe�o o toque. Com a mulher, eu me
sinto desonesto. E elas se entregam tanto que eu me sinto t�o
pequeno...E n�o � a l�raburra que se apaixona por mim. Era a
(escritora) Marina Colassanti, mulheres casadas... MC - At� hoje isso acontece ? RR - Hoje eu j� sei que sexo n�o � tudo e
que a amizade � t�o importante quanto. Como dizia a Denise
(Bandeira), "a gente vira amante c�smico". Sabe, eu
n�o sou monog�mico ... MC - Qual foi o seu primeiro caso homossexual ? RR - Aos nove anos. Foi um esc�ndalo na
fam�lia. Foi com o meu primo. O engra�ado � que eu sempre
gostei de homem bonito, e ele era lindo. Eu era o inteligente,
com id�ias maravilhosas, e ele era o atleta, o Ad�nis, o Davi
de Michelangelo, que at� hoje tem problemas de depend�ncia
qu�mica mas ainda assim n�o conseguiu ficar feio. At� os 13
anos, tivemos uma amizade absurda, depois ele seguiu o caminho
dele e eu continuei perdidamente apaixonado. MC - Como o Stonewall Celebration foi concebido
? RR - Nele tem m�sicas que lembram o que
passei. Como "The Ballad Of The Sad Young Man", que
toca no problema da depend�ncia qu�mica, de se pertencer a uma
minoria. Mas o que existe no disco n�o � o problema gay. �
todo o esp�rito humano. Eu estou cantando para um outro cara,
mas s�o can��es de amor. MC - Voc� se inspirou no seu �ltimo grande
amor ? RR - �. O Robert Scott Hickmon. Foi ele que
pintou essas paredes (do apartamento onde mora). Vivemos juntos
aqui. Ele era gay de carteirinha. Morava na Market Street, em San
Francisco. L�, o padeiro, o a�ogueiro, o dentista, todos s�o
gays. Eu o conheci em 1989, lixeiro, com uma mochila nas costas,
numa atitude de coitadinho. Ele veio comigo para o Brasil em
1990, voltou para l� e retornou para vivemos juntos. Mas a�,
voc� sabe, todo gay � macho. Ele achou que podia passar por
heterossexual. MC - No Rio, ele resolver passar por hetero de
repente ? RR - Bem, ele era white trash: branco, pobre,
filho de m�e alco�latra, pai que espancava, tudo de pior...E,
de repente, achamos que um podia ajudar o outro. Nos apaixonamos.
O plano era ele me dar for�as para que eu parasse de beber. Eu e
daria for�a para ele para de tomar speed (anfetamina). MC - E voces pararam ? RR - Eu s� parei na segunda vez que ele veio
porque peguei hepatite. Quase morri. Ele era o atleta, o belo, o
pr�tico, consertava coisas. Aquela mesma coisa do Z� Eduardo (o
primo). E eu era o cara dos livros. O Scott era um disl�xico
problem�tico, lindo, louro..."Que maravilha", eu
pensei "que coisa rom�ntica". Mas ambos t�nhamos
coisas muito mal resolvidas. Fizemos terapia de casal. N�o
funcionou porque ele tinha uma culpa enorme quando chegou ao
Brasil. MC - Culpa por ser gay ? RR - Ele se achava um cidado de segunda classe
por ser semi-analfabeto, ter um hist�rico de crian�a de
reformat�rio, de orfanato que, bonita sempre encontrava homens
maravilhosos para tomar conta. No gueto, o problema dele n�o
aparecia. Aqui, foi bem aceito pelos meus amigos, que me
respeitam. Nas, de repente, aflorou o lado macho e ele passou a
sofrer por n�o ter emprego, n�o conseguir trabalho. Foi em
1990, o Collor tinha roubado o dinheiro de todo o mundo. E ele
tinha que me pedir dinheiro. At� tentou provar a masculinidade
transando mulher. Como a gente estava nessa de liberar o corpo,
achei que tudo bem. A gente n�o estava casado e quer�amos fugir
desse modelo hetero de ficar preso. Eu tenho um filho, imagine!
Cada um com sua vida, mas degringolou. MC - Transar mulher � �libe para o qu� ? RR - Ele me disse que, mesmo se atra��o,
transar com mulher lhe dava sensa��o de for�a. Era mais f�cil
para ele ser hetero e batalhar a vida do que tentar ser gay e
digno. Voltou para os Estados Unidos e nunca mais o vi. MC - Voc� chegou a fazer o teste de Aids ? RR - N�o falo sobre isso. D� medo, � uma
coisa terr�vel. Fa�o parte de uma gera��o que foi pega no
meio do caminho. Tive que erotizar o uso da camisinha. Sen�o, na
hora de procurar por ela, voc� j� broxou. Para n�o us�-la, o
pessoal come�ou a fazer mais sexo sem penetra��o, achando que
n�o pega Aids. Virou tudo filme de gay, sabe ? Aquela coisa de
gozar fora. Mas eu n�o preciso dessa coisa de teste e quando eu
fiz foi... MC - Um al�vio ? RR - Foi horr�vel esperar o resultado. Fa�o
check-up todo ano e descobri que estava com hepatite B. Os
m�dicos me pediram para fazer teste de Aids. Fiz tr�s exames
at� ter certeza do resultado, que deu positivo no primeiro exame
e foi um horror... Voc� tem que falar com seus amigos e todos
tiveram que fazer teste de Aids. A� fiz outro (Western Blot,
exame mais caro e mais preciso). Repeti mais uma vez durante o
tratamento da hepatite. E esses dois deram resultado negativo. O
m�dico me disse que at� segunda ordem eu sou soronegativo. Mas
ajo como se fosse soropositivo. Sexo seguro total. J� passei por
tanta coisa... E sempre maltratei muito meu organismo. Voc�
sabe, n�o � legal falar isso, mas quem � realmente saud�vel
tem menos possibilidade de contrair Aids. N�o fa�o as mais
loucuras que fazia antigamente. E tem certas coisas que caem na
�rea da d�vida, como sexo oral, por exemplo... MC - Depois que o Scott se foi, voc� come�ou
a usar hero�na ? RR - Ele ainda estava aqui. De tudo que usei, o
pior foi o �lcool e tranquilizantes. Hero�na foi horroroso, mas
s� um m�s e meio. No final de julho de 1990 ele viajou e eu
continuei. Uma coisa meio junkie mesmo...Depois decidimos que ele
voltaria e a gente iria se cuidar. Bem, n�o posso dizer que foi
ruim. Na verdade, foi p�ssimo. MC - Como assim ? RR - �, porque, a gente usava hero�na para
ficar namorando. Ele conheceu um "rajneesh" (seguidor
de Osho, como � atualmente conhecido o guru indiano) na praia,
que tinha a droga. No Rio, hero�na n�o existe. Eu nunca tinha
experimentado. Foi aquela coisa... Um glamour muito grande. O
Scott j� tinha experimentado tudo. Pegamos leve, n�o us�vamos
agulha nem nada. Era s� fazer uma cabecinha de palito de
f�sforo assim... E o mundo fica maravilhoso por oito horas. Em
termos de depend�ncia f�sica, � a pior droga. Tudo que �
droga � ruim. MC - Embora, na hora, voc� ache bom ? RR - N�o � achar bom. Sempre tinha um motivo:
solid�o, veia autodestrutiva, varar a noite trabalhando... MC - Como voc� parou com a hero�na ? RR - � horr�vel parar. D� uma agonia... Se
voc� est� sentado, quer ficar de p�; se est� em p�, quer
ficar sentado. D� vontade de sair da pele, um enorme vazio. Na
primeira vez, fui at� onde dava e me enchi de Valium
(tranquilizante) e rem�dio para dormir. Acordei maravilhoso e,
de novo, me droguei. Mas, da segunda vez, foi brabo. Chamei umas
amigas para o Marina Hotel, onde morei muito tempo. N�o
adiantava rezar, tomar banho de sal grosso, nada. Era deitar e
esperar. MC - Voc� chegou a pensar em suic�dio ? RR - N�o, mas j� pensei nisso. N�o de levar
�s �ltimas consequ�ncias, mas... MC - Dizem que voc� declarou em um show que
chegou a tentar cortar os pulsos por causa de uma menina. RR - N�o, isso n�o tem nada a ver. MC - Ent�o voc� falou de bobeira ? Foi uma
inven��o ? RR - Show � show, n� ? Isso deve ter sido uma
introdu��o a "Ainda � Cedo" (do primeiro LP, Legi�o
Urbana). � recurso dram�tico. Mas n�o aconteceu, n�o. Eu tive
um pequeno acidente, mas n�o foi por querer me matar nem nada.
Eu s� queria ver como � que era. Uma coisa de louco. S� que me
deu o maior susto. MC - Foi em Bras�lia ? RR - Foi. Eu tinha 20 e poucos anos. Coisa de
b�bado. Eu estava l� entediado, cismado que queria ser artista
pl�stico. Comprei uns guaches e ficava meus desenhos e
aquarelas. Comecei, de repente, a diluir tinta em urina. Me
cortava e desenhava com sangue, todo fora de controle, coisa de
irrespons�vel... MC - E como voc� se safou disso ? RR - Fiz uma opera��o da qual ainda tenho
marcas. MC - E n�o era uma coisa de querer liquidar
com a vida ? RR - N�o, imagina... Claro que n�o. MC - Desde quando voc� parou com as drogas ? RR - Desde 3 de abril de 1993, logo ap�s meu
anivers�rio. A reprograma��o de vida que fa�o desde ent�o �
definitiva. Para valer. Voc� percebe que a depend�ncia qu�mica
� uma doen�a cr�nica, prim�ria, progressiva e fatal. Eu n�o
sou sem-vergonha, louco, nem depressivo, nem melanc�lico. Sou
dependente qu�mico. Interessante � que por tr�s de todo
dependente est� sempre um perfil psicol�gico sens�vel e
inteligente. S�o todos compulsivos. MC - � o seu caso ? RR - Compulsivo total. Fiquei internado um m�s
em Vila Serena (cl�nica em S�o Paulo), um lugar para
recupera��o de dependentes qu�micos. Parei de beber, de usar
tudo. Aprendi a parar de andar com quem usa e a n�o ter droga em
casa. A evitar o local da ativa. N�o passo em bar nem pra
comprar cigarro. MC - Sua vida mudou muito, ent�o ? E os amigos
? RR - Em termos. Sou o mesmo, mas n�o estou com
duas doses de Cointreau nem tomei Lexotan h� 15 minutos. Quanto
aos amigos, n�o eram verdadeiros. Cheguei a um ponto que, se eu
n�o parasse, morria. MC - Como foi para abruptamente com tudo ? RR - Fiquei com o corpo todo empelotado, mas
isso foi tudo. Imediatamente passei a me alimentar muito bem,
tomar rem�dios homeop�ticos e muita vitamina. Acordava �s 6
horas, com um sino, para fazer exerc�cios. Fazia terapia de
grupo. Durante um m�s e meio, tive que lembrar e escrever dez
coisas que fiz por causa do �lcool e me deram vergonha ou me
afastaram de quem eu amava. MC - Como certas atitudes p�blicas suas... RR - A �ltima coisa que eu deixei abalar foi o
meu trabalho. Foram s� duas ou tr�s brigas p�blicas, coisa de
b�bado chato. Em casa, era muito pior. Eu ficava dias e dias com
cinco, seis meninos aqui dentro. Coisa t�pica de decad�ncia gay
absoluta... N�o acreditava em nada, tinha uma autopiedade
extrema. Em Vila Serena, eles tentam resgatar sua
espiritualidade. MC - Voc� acredita em Deus ? RR - Sou cat�lico apost�lico romano. Acredito
em um poder superior. Ontem mesmo, fiquei deprimido por causa de
nossa conversa. De falar no Scott, da minha culpa em rela��o
aos meus pais. Confuso por ter visto meu filho. Culpado por meus
pais serem t�o maravilhosos. Tive que trabalhar a noite inteira
para esquecer isso. O que me salva ? � saber que existem coisas
al�m da minha compreens�o e que eu n�o sou o dono do mundo. MC - Quantos anos tem seu filho ? RR - Est� com cinco, mas tem tamanho de oito.
Fico preocupado porque estou me recuperando e n�o posso
educ�-lo. Mora com os av�s em Bras�lia. Ontem eu estive perto
de definir o que sinto. SInto que n�o estou � altura de
retribuir as coisas boas que recebo. MC - E de onde voc� tira essa id�ia ? RR - Das minhas sensa��es. Est� ligado ao
meu hist�rico, � minha sexualidade. � como se eu fosse um
modelo de luxo como qual voc� tem que tomar muito cuidado. MC - Quem � a m�e do seu filho ? RR - Ah, sobre isso eu n�o falo. MC - Por qu� ? RR - Porque � supercomplicado. S� posso dizer
que � uma menina que eu devo ter visto duas ou tr�s vezes na
vida. Aconteceu em S�o Paulo. MC - Onde ela vive hoje ? RR - Ela morreu em um acidente de autom�vel
quando eu estava em Nova York. Eu n�o falo sobre esse assunto. MC - D�i muito ? RR - N�o � que seja dolorido, � porque eu
n�o sinto absolutamente nada. � como se eu estivesse bloqueado,
� horr�vel. MC - Voc� assumiu a paternidade, o que j� �
um dado importante... RR - Na verdade, eu n�o teria muito outra
op��o. Pelo modo como as coisas se passaram. Eu n�o ia
estragar a vida de uma menina t�o jovem, entendeu ? MC - E como � sua rela��o com o Giuliano ? RR - � complicada, uma coisa que eu n�o
resolvo e empurro com a barriga. Ele s� viveu comigo na Ilha do
Governador, pequenininho. Depois, foi viver meus pais. O Guiliano
nasceu em 1989, a� fui para Nova York, inventei que ia ter um
grande caso de amor gay da minha vida. Uma coisa louca. Fiquei
muito mal. Como vou falar para o Giuliano que sou roqueiro e gay,
entende ? MC - Em rela��o ao Giuliano voc� tamb�m tem
bloqueio emocional ? RR - N�o. O que acontece � medo porque eu o
adoro demais. Talvez isso se dilua se morarmos juntos. Toda a vez
que eu o vejo, d� uma vontade de agarr�-lo e dizer:
"Giuliano, vai dar tudo certo. Pronto. Fica aqui
comigo". Mas, ent�o, o que eu vou falar ? O que eu vou
fazer ? Ele � uma pessoa e n�o um bibel�. Tenho que ter essa
rela��o normal com ele. Essa euforia, essa felicidade
exagerada, essa emo��o que ou voc� n�o sabe o que fazer
porque est� t�o deprimido ou porque est� t�o contente, eu
pensei que n�o ia mais sentir desde que eu abandonei o
alcoolismo. Porque eu bebia para sentir mais, entendeu ? MC - Como � a rela��o entre voc�s ? RR - Ele � muito diferente de mim. Acho-o um
pouquinho folgado. Ele � bem "bofinho", do tipo que
tira a camisa, enrola na cintura e diz: "Vamos jogar bola
?" Eu n�o era assim. J� tem namorada, imagina...Ontem,
quando eu o vi, ele disse: "Pai, j� acendeu de novo o
cigarro ?" Desta vez, fiquei quatro meses sem v�-lo. Joguei
o cigarro em um canteirinho e ele disse: "Pai, n�o pode
jogar o cigarro na plantinha". N�o gostei. Como vou lidar
com isso? � uma rela��o pai-e-filho, mas n�o �. � como se
eu fosse o irm�o mais velho, porque ele chama a minha m�e de
m�e. Eu pergunto: "Cad� sua av� ?" E ele grita:
"Manh���". � muito complicado. Mas � uma d�diva e
nada acontece por acaso. A vida n�o � f�cil, mas ainda vamos
resolver tudo.
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Skooter 1998 - 2008 |
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