Legi�o Urbana Uma Outra Esta��o
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Roqueiro Brasileiro - Renato Russo

Em nova fase de vida, Renato Russo, aos 34 anos, se recupera de um profundo mergulho no �lcool e nas drogas e de uma arrebatadora paix�o, enquanto confecciona o pr�ximo disco da Legi�o Urbana e planeja a melhor maneira de educar seu filho, Giuliano de cinco anos.
O roqueiro que em 1982 criou a mais potente banda de rock nativo, em pleno Planalto Central na �poca da redemocratiza��o do pa�s, levou dois anos para aportar nas gravadoras e ingressar no show business. Desde ent�o n�o parou mais. Seu maior sucesso veio em 1986, com "Eduardo e M�nica", do LP "DOIS", recordista de vendas entre os sete produzidos pela banda, com 800 mil c�pias. At� hoje, o Legi�o contabiliza 3,5 milh�es de discos no mercado.
E quando ningu�m mais esperava surpresas, Renato Russo d� nova volta no parafuso e se lan�a em carreira solo, interpretando can��es de amor em ingl�s, em disco feito para a A��o da Cidadania contra a Mis�ria e pela Vida. Inspirado em sua experi�ncia homossexual, op��o que tornou p�blica em 1988, batizou seu �ltimo trabalho de The Stonewall Celebration Concert, em homenagem aos gays nova-iorquinos (lembrando o nome do reduto gay do Greenwich Village, que ficou famoso em 1969 quando homossexuais enfrentaram por tr�s dias a pol�cia que amea�ava invadir o local).
Em seu discreto apartamento em Ipanema, lugar nobre da Zona Sul carioca, cuja aquisi��o � motivo de orgulho para quem sempre quis subir na vida trabalhando, ele conta, com cativante sinceridade, sua rica e acidentada trajet�ria de vida roqueira para Marie Claire.

Marie Claire - Como foi que a m�sica entrou na sua vida ?

Renato Russo - Me contam que aos dois anos de idade eu j� punha o disco do Frank Sinatra de volta na capa certa. Quando chegou a adolesc�ncia, meu sonho era formar uma banda. Minha fam�lia � muito musical. � coisa de gente que tinha piano na sala. Tanto do lado do meu pai, que � paranaense, quanto do lado da minha m�e, que � pernambucana.

MC - Quem s�o seus pais ?

RR - Meu pai � neto de dois imigrantes italianos, primo de segundo grau de minha m�e e primo-irm�o de minha av�. Ele � economista, est� aposentado e tem 70 anos. Minha m�e era professora, mas, quando se casou, parou de trabalhar. Meu pai veio para o Rio para trabalhar no Banco do Brasil e inaugurou a gera��o classe m�dia urbana da fam�lia, que antes, plantava mate no Paran�. E tome Banco do Brasil, muito Banco do Brasil...

MC - Ent�o o roqueiro de "Que Pa�s � Este ?" � um leg�timo filho de funcion�rio p�blico ?

RR - �, com certeza. Se bem que funcion�rio do Banco do Brasil n�o se considera funcion�rio p�blico, voc� sabe ...

MC - � elite.

RR - �. Isso influenciou muito minha vida. Hoje, n�o sei ... Mas eu sempre tive muita estabilidade na vida por causa do banco. Mesmo na �poca da revolu��o. Meus amigos contam outro tipo de hist�ria. Para a gente, era assim: o Brasil est� indo para a frente e n�s estamos indo junto, entende ? Eu nunca soube de nada das coisas que aconteciam, Achava o M�dici o maior presidente do mundo.

MC - Voc� nasceu no Rio mesmo ?

RR - Eu era de classe m�dia-m�dia suburbana, da Ilha do Governador. Vivi l� at� 1967. Ent�o mudamos para Nova York, onde vivi dos sete aos dez anos. Ficamos mais tr�s anos no Rio e fomos para Bras�lia, quando eu tinha 13 anos. Nunca me faltou nada. Nada mesmo. Meus pais s�o maravilhosos, est�o juntos at� hoje. Tive muito problema com isso porque me senti culpado, durante a adolesc�ncia. Por n�o corresponder �s expectativas deles, de uma vida bem comportada. Eles s�o supersimp�ticos, inteligentes, t�m um casamento de sonhos, maravilhoso e tal. Para mim, tudo isso era um carma, entendeu ? Eu era e ainda sou um pouco terr�vel.

MC -Como foi virar gente em Bras�lia ?

RR - Bem, eu n�o sei se virei gente ainda ... Vivi em Bras�lia dos 13 aos 23 anos, e ali, depois de algum tempo, meu mundo da inf�ncia que era muito seguro, come�ou a mudar. Mas se entrar aqui o J�nior (uma auto refer�ncia), com oito anos de idade, � a mesma pessoa. Talvez eu estranhe se entrar o J�nior com com 16, 18 anos de idade. Mas os valores s�o os mesmos.

MC - Por que voc� se estranharia com 16, 17 anos ?

RR - Porque eu era muito confuso. Foi uma fase que durou muito tempo at� o comecinho da Legi�o Urbana. Eu me perdi. Eu tinha uma vida de sonho. Aos 17 anos acabou, sabe ? Fui para o mundo. Surgiram aquelas confus�es sexuais da adolesc�ncia e d�vidas.

MC - Qual foi o seu primeiro trabalho ?

RR - Foi na Cultura Inglesa, em Bras�lia, como monitor. Depois, virei professor. Tinha 15 anos, idade e, que vi meu primeiro show de rock, da Rita Lee, no gin�sio do Col�gio Marista. Fiquei emocionado. Mas n�o pude ir ao segundo.

MC - Por qu� ?

RR - Porque um resultado m�dico mudou minha vida. Estava com epifisi�lise, doen�a que destr�i a extremidade dos ossos. Minha perna estava pendurada s� pela pele, entre o f�mur e a bacia. Meu mundo acabou. Fui operado e fui v�tima de erros m�dicos. O cara colocou o pino dentro do nervo. Contra��es involunt�rias me faziam gritar de dor. Fiz outras opera��es. Perdi dois anos de vida com medo de sentir dor, isolado, fora de tudo.

MC - Como voc� voltou ao mundo depois de dois anos entre a cama e a cadeira de rodas ?

RR - Quando voltei para o col�gio, aos 17 anos, era um menino diferente. Distante.

MC - Distante por qu� ?

RR - Porque fiquei de fora. Observava tudo com olhar de estrangeiro.

MC - Quem s�o o Eduardo e M�nica da m�sica ?

RR - Acabei me aproximando, gra�as a m�sica, de um tal Fernando, que tinha chegado de Paris com uma grande cole��o de discos - Traffic, Eric Clapton, tudo. Morava sozinho e namorava uma menina com filhos, a L�o. Isso era 77,78. � ela a M�nica da m�sica e eu sou o Eduardo, s� que menos bobo.

MC - Menos bobo ?

RR - �, eu lia, n�o era aquela coisa clube-e-televis�o da letra. Teve uma �poca que eu trabalhava num jornal, na Cultura Inglesa e fazia faculdade. Sei que quando o Sid Vicious, do Sex Pistols, morreu, tomei o primeiro porre da minha vida. E a partir da� comecei a usar muitas drogas.

MC - S� a partir da� ?

RR - �, quer dizer...eu j� usava, mas era de fim de semana. At� essa �poca era s� bagulhinho e �lcool. A cannabis (maconha), voc� sabe, afeta a mem�ria, mas acho que j� t�nhamos formado o Aborto El�trico.

MC - Ah! Sua primeira banda punk.

RR - �. Ensaio todo o fim de semana. Nessa fase explodiu tudo o que eu n�o vivi nos dois anos em que eu fiquei de cama. Apareceu uma nova gera��o no rock que dizia: "Voc� n�o precisa estudar m�sica para fazer rock'n'roll. Voc� pode pegar uma guitarra e fazer". Eram os punks. Nossos padrinhos foram os Paralamas do Sucesso.

MC - E o que mais o fascinava nisso tudo ?

RR - Ter encontrado um jeito de ter poder. � divertido.

MC - Como foi enfrentar o mundo machista do rock para voc� que �
homossexual ?

RR - O mundo do rock n�o � bem assim. Ele � mis�gino. O que vale nesse mundo n�o � saber se voc� � gay ou n�o. � saber quem � mais louco, quem vende mais disco, quem ganha mais dinheiro. Era aquela coisa de querer se mostrar, do exibicionismo, da vaidade mesmo. De se transformar em �dolo.

MC - Para o Legi�o, pol�tica e injusti�a social sempre v�m antes do conflito de gera��es...

RR - O Legi�o chamou muita aten��o porque surgiu no per�odo da abertura, da redemocratiza��o. Mas, basicamente, o que escrevemos s�o can��es de amor. Uma coisa talvez at� adolescente demais. At� pelo meu hist�rico familiar, eu preservo a fam�lia. Falo mal � das institui��es. Eu j� fiz est�dio vir abaixo e tomei v�rias atitudes rebeldes, mas dou muito valor a fam�lia. Porque ela que me segura.

MC - A gera��o mais nova � diferente da sua ?

RR - �. S�o menos agressivos. � uma gera��o mais passiva. J� est�o acostumados � viol�ncia. T�m Netuno em Sagit�rio e n�o Escorpi�o, como minha gera��o, que lida com o instinto de morte, e � mais louca, exibicionista, cheia de altos e baixos. Essa gera��o atual � mais do "vamos com calma para ver o que vai acontecer".

MC - Voc� � de esquerda ?

RR - Sou anarquista e individualista. Tenho uma vis�o po�tica, mas n�o me considero poeta. Procuro o belo.

MC - A gera��o atual � mais alienada que a sua ?

RR - N�o. O que existe hoje � consumismo desenfreado. � a TV dizendo qual o seu sonho de consumo. Isso existe h� d�cadas, mas n�o como hoje. Tanto que agora existe uma discuss�o �tica sobre valores �ticos no pa�s e n�o se chega a conclus�o nenhuma. As pessoas perderam o sotaque e Macei� � igual a Porto Alegre. Uma pasteuriza��o que o fascismo usa muito bem.

MC - Seu disco foi feito para a campanha contra a fome do Betinho. Quanto voc� doou do seus direitos ?

RR - Cinquenta por cento.

MC - Com esse disco, voc� assume a bandeira do homossexualismo e deflagra uma carreira solo. Vai seguir por a�?

RR - O Legi�o Urbana continua. S�o coisas distintas e por isso as m�sicas do disco solo s�o "covers" (regrava��es de sucessos) em ingl�s.

MC - Primeiro emprego aos 15, primeira banda aos 17. E o primeiro namoro ?

RR - Nunca tive, na verdade. A n�o ser a Lu�za, quando eu tinha 11 para 12 anos, na Ilha do Governador. Mas n�o era uma coisa de namoro exatamente, era de troca. Porque eu era gay. Eu sou gay, entendeu ?

MC - Voc� j� se reconhecia como gay ?

RR - Eu sabia que era desde os quatro anos de idade. Quer dizer, eu n�o sabia que era gay-gay! Eu tinha uma afei��o muito grande pelas meninas, mas n�o pensava nelas em termos sexuais, de posse. N�o precisava de proximidade f�sica, beijo ou sacanagem. A gente pegava o disco do irm�o mais velho da Lu�za e ficava ouvindo Cat Stevens e James Taylor, sabe ?

MC - Voc� nunca sentiu atra��o sexual por mulher ?

RR - N�o. Absolutamente. Aos quatro anos, eu n�o brincava de m�dico com meninas. Para mim, isso n�o tinha gra�a nenhuma. Eu sabia que sexo era proibido. Sou de fam�lia cat�lica, italiana. Sabia que tinha as brincadeiras com as meninas, mas eu queria ver como eram os "peruzinhos" dos meninos.

MC - A repress�o influenciou sua op��o sexual ?

RR - N�o. O ato sexual n�o tem nada a ver com a sua op��o. Tanto � que eu tive um filho e namorei mulheres. Eu n�o quero citar nomes, mas tive um caso t�rrido com uma atriz de cinema e TV. Tem homem que tem uma dificuldade brutal. Comigo n�o, eu me excito.

MC - Seus maiores amores foram homens, ou mulheres ?

RR - Ambos. Uma coisa eu posso dizer: todas as mulheres que j� se apaixonaram por mim s�o hoje minhas melhores amigas. Eu me apaixonava, mas n�o carnalmente. Gostava, achava divertido e tudo, mas pensava: "N�o � isso que eu quero, est� faltando alguma coisa". Por muito tempo busquei relacionamentos com mulheres para provar que eu era homem.

MC - At� quando durou isso ?

RR - At� hoje. Porque eu amo as mulheres. Espero que ela n�o fique chateada, � uma mulher casada...mas a Carla Camurati, eu encontrei na casa de um amigo. Ela � linda. Meu tipo. Fiquei babando. Pensei: "Gente do c�u, � a mulher da minha vida". Mas eu sei que n�o � por a�. Porque a gente pode estar junto e compartilhar tudo, mas de repente, passa um bofe bonito...Sabe, eu tenho tara por bunda cabeluda, por p�, por falo, pelo torso masculino, pela coisa da barba. O que me atrai na mulher � a ess�ncia da mulher. N�o o corpo. No homem, a ess�ncia se traduz no corpo. Tamb�m acho que nunca vou satisfazer a mulher completamente. Sou o bofe por excel�ncia. Sou macho, minha filha... Me sinto muito mais a vontade em uma rela��o com outro homem. Homem n�o pode fingir. Ou est� de pau duro ou n�o est�. Eu entendo o que o outro cara pensa, conhe�o o cheiro, conhe�o o toque. Com a mulher, eu me sinto desonesto. E elas se entregam tanto que eu me sinto t�o pequeno...E n�o � a l�raburra que se apaixona por mim. Era a (escritora) Marina Colassanti, mulheres casadas...

MC - At� hoje isso acontece ?

RR - Hoje eu j� sei que sexo n�o � tudo e que a amizade � t�o importante quanto. Como dizia a Denise (Bandeira), "a gente vira amante c�smico". Sabe, eu n�o sou monog�mico ...

MC - Qual foi o seu primeiro caso homossexual ?

RR - Aos nove anos. Foi um esc�ndalo na fam�lia. Foi com o meu primo. O engra�ado � que eu sempre gostei de homem bonito, e ele era lindo. Eu era o inteligente, com id�ias maravilhosas, e ele era o atleta, o Ad�nis, o Davi de Michelangelo, que at� hoje tem problemas de depend�ncia qu�mica mas ainda assim n�o conseguiu ficar feio. At� os 13 anos, tivemos uma amizade absurda, depois ele seguiu o caminho dele e eu continuei perdidamente apaixonado.

MC - Como o Stonewall Celebration foi concebido ?

RR - Nele tem m�sicas que lembram o que passei. Como "The Ballad Of The Sad Young Man", que toca no problema da depend�ncia qu�mica, de se pertencer a uma minoria. Mas o que existe no disco n�o � o problema gay. � todo o esp�rito humano. Eu estou cantando para um outro cara, mas s�o can��es de amor.

MC - Voc� se inspirou no seu �ltimo grande amor ?

RR - �. O Robert Scott Hickmon. Foi ele que pintou essas paredes (do apartamento onde mora). Vivemos juntos aqui. Ele era gay de carteirinha. Morava na Market Street, em San Francisco. L�, o padeiro, o a�ogueiro, o dentista, todos s�o gays. Eu o conheci em 1989, lixeiro, com uma mochila nas costas, numa atitude de coitadinho. Ele veio comigo para o Brasil em 1990, voltou para l� e retornou para vivemos juntos. Mas a�, voc� sabe, todo gay � macho. Ele achou que podia passar por heterossexual.

MC - No Rio, ele resolver passar por hetero de repente ?

RR - Bem, ele era white trash: branco, pobre, filho de m�e alco�latra, pai que espancava, tudo de pior...E, de repente, achamos que um podia ajudar o outro. Nos apaixonamos. O plano era ele me dar for�as para que eu parasse de beber. Eu e daria for�a para ele para de tomar speed (anfetamina).

MC - E voces pararam ?

RR - Eu s� parei na segunda vez que ele veio porque peguei hepatite. Quase morri. Ele era o atleta, o belo, o pr�tico, consertava coisas. Aquela mesma coisa do Z� Eduardo (o primo). E eu era o cara dos livros. O Scott era um disl�xico problem�tico, lindo, louro..."Que maravilha", eu pensei "que coisa rom�ntica". Mas ambos t�nhamos coisas muito mal resolvidas. Fizemos terapia de casal. N�o funcionou porque ele tinha uma culpa enorme quando chegou ao Brasil.

MC - Culpa por ser gay ?

RR - Ele se achava um cidado de segunda classe por ser semi-analfabeto, ter um hist�rico de crian�a de reformat�rio, de orfanato que, bonita sempre encontrava homens maravilhosos para tomar conta. No gueto, o problema dele n�o aparecia. Aqui, foi bem aceito pelos meus amigos, que me respeitam. Nas, de repente, aflorou o lado macho e ele passou a sofrer por n�o ter emprego, n�o conseguir trabalho. Foi em 1990, o Collor tinha roubado o dinheiro de todo o mundo. E ele tinha que me pedir dinheiro. At� tentou provar a masculinidade transando mulher. Como a gente estava nessa de liberar o corpo, achei que tudo bem. A gente n�o estava casado e quer�amos fugir desse modelo hetero de ficar preso. Eu tenho um filho, imagine! Cada um com sua vida, mas degringolou.

MC - Transar mulher � �libe para o qu� ?

RR - Ele me disse que, mesmo se atra��o, transar com mulher lhe dava sensa��o de for�a. Era mais f�cil para ele ser hetero e batalhar a vida do que tentar ser gay e digno. Voltou para os Estados Unidos e nunca mais o vi.

MC - Voc� chegou a fazer o teste de Aids ?

RR - N�o falo sobre isso. D� medo, � uma coisa terr�vel. Fa�o parte de uma gera��o que foi pega no meio do caminho. Tive que erotizar o uso da camisinha. Sen�o, na hora de procurar por ela, voc� j� broxou. Para n�o us�-la, o pessoal come�ou a fazer mais sexo sem penetra��o, achando que n�o pega Aids. Virou tudo filme de gay, sabe ? Aquela coisa de gozar fora. Mas eu n�o preciso dessa coisa de teste e quando eu fiz foi...

MC - Um al�vio ?

RR - Foi horr�vel esperar o resultado. Fa�o check-up todo ano e descobri que estava com hepatite B. Os m�dicos me pediram para fazer teste de Aids. Fiz tr�s exames at� ter certeza do resultado, que deu positivo no primeiro exame e foi um horror... Voc� tem que falar com seus amigos e todos tiveram que fazer teste de Aids. A� fiz outro (Western Blot, exame mais caro e mais preciso). Repeti mais uma vez durante o tratamento da hepatite. E esses dois deram resultado negativo. O m�dico me disse que at� segunda ordem eu sou soronegativo. Mas ajo como se fosse soropositivo. Sexo seguro total. J� passei por tanta coisa... E sempre maltratei muito meu organismo. Voc� sabe, n�o � legal falar isso, mas quem � realmente saud�vel tem menos possibilidade de contrair Aids. N�o fa�o as mais loucuras que fazia antigamente. E tem certas coisas que caem na �rea da d�vida, como sexo oral, por exemplo...

MC - Depois que o Scott se foi, voc� come�ou a usar hero�na ?

RR - Ele ainda estava aqui. De tudo que usei, o pior foi o �lcool e tranquilizantes. Hero�na foi horroroso, mas s� um m�s e meio. No final de julho de 1990 ele viajou e eu continuei. Uma coisa meio junkie mesmo...Depois decidimos que ele voltaria e a gente iria se cuidar. Bem, n�o posso dizer que foi ruim. Na verdade, foi p�ssimo.

MC - Como assim ?

RR - �, porque, a gente usava hero�na para ficar namorando. Ele conheceu um "rajneesh" (seguidor de Osho, como � atualmente conhecido o guru indiano) na praia, que tinha a droga. No Rio, hero�na n�o existe. Eu nunca tinha experimentado. Foi aquela coisa... Um glamour muito grande. O Scott j� tinha experimentado tudo. Pegamos leve, n�o us�vamos agulha nem nada. Era s� fazer uma cabecinha de palito de f�sforo assim... E o mundo fica maravilhoso por oito horas. Em termos de depend�ncia f�sica, � a pior droga. Tudo que � droga � ruim.

MC - Embora, na hora, voc� ache bom ?

RR - N�o � achar bom. Sempre tinha um motivo: solid�o, veia autodestrutiva, varar a noite trabalhando...

MC - Como voc� parou com a hero�na ?

RR - � horr�vel parar. D� uma agonia... Se voc� est� sentado, quer ficar de p�; se est� em p�, quer ficar sentado. D� vontade de sair da pele, um enorme vazio. Na primeira vez, fui at� onde dava e me enchi de Valium (tranquilizante) e rem�dio para dormir. Acordei maravilhoso e, de novo, me droguei. Mas, da segunda vez, foi brabo. Chamei umas amigas para o Marina Hotel, onde morei muito tempo. N�o adiantava rezar, tomar banho de sal grosso, nada. Era deitar e esperar.

MC - Voc� chegou a pensar em suic�dio ?

RR - N�o, mas j� pensei nisso. N�o de levar �s �ltimas consequ�ncias, mas...

MC - Dizem que voc� declarou em um show que chegou a tentar cortar os pulsos por causa de uma menina.

RR - N�o, isso n�o tem nada a ver.

MC - Ent�o voc� falou de bobeira ? Foi uma inven��o ?

RR - Show � show, n� ? Isso deve ter sido uma introdu��o a "Ainda � Cedo" (do primeiro LP, Legi�o Urbana). � recurso dram�tico. Mas n�o aconteceu, n�o. Eu tive um pequeno acidente, mas n�o foi por querer me matar nem nada. Eu s� queria ver como � que era. Uma coisa de louco. S� que me deu o maior susto.

MC - Foi em Bras�lia ?

RR - Foi. Eu tinha 20 e poucos anos. Coisa de b�bado. Eu estava l� entediado, cismado que queria ser artista pl�stico. Comprei uns guaches e ficava meus desenhos e aquarelas. Comecei, de repente, a diluir tinta em urina. Me cortava e desenhava com sangue, todo fora de controle, coisa de irrespons�vel...

MC - E como voc� se safou disso ?

RR - Fiz uma opera��o da qual ainda tenho marcas.

MC - E n�o era uma coisa de querer liquidar com a vida ?

RR - N�o, imagina... Claro que n�o.

MC - Desde quando voc� parou com as drogas ?

RR - Desde 3 de abril de 1993, logo ap�s meu anivers�rio. A reprograma��o de vida que fa�o desde ent�o � definitiva. Para valer. Voc� percebe que a depend�ncia qu�mica � uma doen�a cr�nica, prim�ria, progressiva e fatal. Eu n�o sou sem-vergonha, louco, nem depressivo, nem melanc�lico. Sou dependente qu�mico. Interessante � que por tr�s de todo dependente est� sempre um perfil psicol�gico sens�vel e inteligente. S�o todos compulsivos.

MC - � o seu caso ?

RR - Compulsivo total. Fiquei internado um m�s em Vila Serena (cl�nica em S�o Paulo), um lugar para recupera��o de dependentes qu�micos. Parei de beber, de usar tudo. Aprendi a parar de andar com quem usa e a n�o ter droga em casa. A evitar o local da ativa. N�o passo em bar nem pra comprar cigarro.

MC - Sua vida mudou muito, ent�o ? E os amigos ?

RR - Em termos. Sou o mesmo, mas n�o estou com duas doses de Cointreau nem tomei Lexotan h� 15 minutos. Quanto aos amigos, n�o eram verdadeiros. Cheguei a um ponto que, se eu n�o parasse, morria.

MC - Como foi para abruptamente com tudo ?

RR - Fiquei com o corpo todo empelotado, mas isso foi tudo. Imediatamente passei a me alimentar muito bem, tomar rem�dios homeop�ticos e muita vitamina. Acordava �s 6 horas, com um sino, para fazer exerc�cios. Fazia terapia de grupo. Durante um m�s e meio, tive que lembrar e escrever dez coisas que fiz por causa do �lcool e me deram vergonha ou me afastaram de quem eu amava.

MC - Como certas atitudes p�blicas suas...

RR - A �ltima coisa que eu deixei abalar foi o meu trabalho. Foram s� duas ou tr�s brigas p�blicas, coisa de b�bado chato. Em casa, era muito pior. Eu ficava dias e dias com cinco, seis meninos aqui dentro. Coisa t�pica de decad�ncia gay absoluta... N�o acreditava em nada, tinha uma autopiedade extrema. Em Vila Serena, eles tentam resgatar sua espiritualidade.

MC - Voc� acredita em Deus ?

RR - Sou cat�lico apost�lico romano. Acredito em um poder superior. Ontem mesmo, fiquei deprimido por causa de nossa conversa. De falar no Scott, da minha culpa em rela��o aos meus pais. Confuso por ter visto meu filho. Culpado por meus pais serem t�o maravilhosos. Tive que trabalhar a noite inteira para esquecer isso. O que me salva ? � saber que existem coisas al�m da minha compreens�o e que eu n�o sou o dono do mundo.

MC - Quantos anos tem seu filho ?

RR - Est� com cinco, mas tem tamanho de oito. Fico preocupado porque estou me recuperando e n�o posso educ�-lo. Mora com os av�s em Bras�lia. Ontem eu estive perto de definir o que sinto. SInto que n�o estou � altura de retribuir as coisas boas que recebo.

MC - E de onde voc� tira essa id�ia ?

RR - Das minhas sensa��es. Est� ligado ao meu hist�rico, � minha sexualidade. � como se eu fosse um modelo de luxo como qual voc� tem que tomar muito cuidado.

MC - Quem � a m�e do seu filho ?

RR - Ah, sobre isso eu n�o falo.

MC - Por qu� ?

RR - Porque � supercomplicado. S� posso dizer que � uma menina que eu devo ter visto duas ou tr�s vezes na vida. Aconteceu em S�o Paulo.

MC - Onde ela vive hoje ?

RR - Ela morreu em um acidente de autom�vel quando eu estava em Nova York. Eu n�o falo sobre esse assunto.

MC - D�i muito ?

RR - N�o � que seja dolorido, � porque eu n�o sinto absolutamente nada. � como se eu estivesse bloqueado, � horr�vel.

MC - Voc� assumiu a paternidade, o que j� � um dado importante...

RR - Na verdade, eu n�o teria muito outra op��o. Pelo modo como as coisas se passaram. Eu n�o ia estragar a vida de uma menina t�o jovem, entendeu ?

MC - E como � sua rela��o com o Giuliano ?

RR - � complicada, uma coisa que eu n�o resolvo e empurro com a barriga. Ele s� viveu comigo na Ilha do Governador, pequenininho. Depois, foi viver meus pais. O Guiliano nasceu em 1989, a� fui para Nova York, inventei que ia ter um grande caso de amor gay da minha vida. Uma coisa louca. Fiquei muito mal. Como vou falar para o Giuliano que sou roqueiro e gay, entende ?

MC - Em rela��o ao Giuliano voc� tamb�m tem bloqueio emocional ?

RR - N�o. O que acontece � medo porque eu o adoro demais. Talvez isso se dilua se morarmos juntos. Toda a vez que eu o vejo, d� uma vontade de agarr�-lo e dizer: "Giuliano, vai dar tudo certo. Pronto. Fica aqui comigo". Mas, ent�o, o que eu vou falar ? O que eu vou fazer ? Ele � uma pessoa e n�o um bibel�. Tenho que ter essa rela��o normal com ele. Essa euforia, essa felicidade exagerada, essa emo��o que ou voc� n�o sabe o que fazer porque est� t�o deprimido ou porque est� t�o contente, eu pensei que n�o ia mais sentir desde que eu abandonei o alcoolismo. Porque eu bebia para sentir mais, entendeu ?

MC - Como � a rela��o entre voc�s ?

RR - Ele � muito diferente de mim. Acho-o um pouquinho folgado. Ele � bem "bofinho", do tipo que tira a camisa, enrola na cintura e diz: "Vamos jogar bola ?" Eu n�o era assim. J� tem namorada, imagina...Ontem, quando eu o vi, ele disse: "Pai, j� acendeu de novo o cigarro ?" Desta vez, fiquei quatro meses sem v�-lo. Joguei o cigarro em um canteirinho e ele disse: "Pai, n�o pode jogar o cigarro na plantinha". N�o gostei. Como vou lidar com isso? � uma rela��o pai-e-filho, mas n�o �. � como se eu fosse o irm�o mais velho, porque ele chama a minha m�e de m�e. Eu pergunto: "Cad� sua av� ?" E ele grita: "Manh���". � muito complicado. Mas � uma d�diva e nada acontece por acaso. A vida n�o � f�cil, mas ainda vamos resolver tudo.



Por: Maria Helena Passos
Fonte: Revista Marie Claire - Abril ou Maio de 1995

 

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