LEGI�O URBANA - O COME�O
(Revista SOM 94 ou 95)
(Por Israel do Vale)
Vamos come�ar do come�o. A principal inspira��o de voc�s no in�cio foi o punk, os Sex Pistols, n�o?
Bonf� - N�o sei se inspiraram diretamente. Acho que era uma liga��o, como as pessoas est�o ligadas no mundo inteiro.
Renato - A coisa do "fa�a voc� mesmo".
B - N�o � uma coisa de "a gente viu, ent�o vamos fazer igual".
R - �... "a gente gostou de uma banda, ent�o vamos fazer uma banda tamb�m".
Dado - Abriu um espa�o para as pessoas. Enfim, voc� n�o precisava ser um cara escolado em m�sica, n�o precisava ser um acad�mico em m�sica para fazer a sua.
Em Bras�lia isso foi forte, n�o? Porque, al�m do Aborto El�trico (a banda pr�-Legi�o), come�ara a surgir v�rios outros grupos na mesma �poca...
B - Claro que foi. Era um monte de gente l�.
R - O Aborto El�trico na verdade foi a primeira banda. Era uma coisa bem pequena. A gente era bem niilista, no sentido de que quase n�o fazia apresenta��o ao vivo. Realmente era s� um projeto. E s� depois que o guitarrista, um "africano do sul" chamado Andr� Pret�ris, voltou de uma viagem, � que a coisa realmente pegou. Um ensaio do Aborto El�trico era um acontecimento, porque naquela �poca as coisas eram muito dif�ceis. Mas a partir de um determinado momento tudo come�ou a se cristalizar, porque de repente a turma cresceu. Tinha o pessoal que estava nas bandas, tinha as meninas que ajudavam a gente a colar cartazes, a fazer buttons. Tinha uns amigos nossos que constru�am guitarras, porque ningu�m tinha dinheiro para comprar uma. Mesmo a gente sendo de fam�lia de classe m�dia alta, era muito, muito caro. N�o tinha esse mercado do rock.
B - Quando tinha show com tr�s bandas, todo mundo tocava com a mesma bateria.
Parece que o punk est� ressurgindo no Brasil. S�o Paulo tem uma porrada de grupos punks que dividem espa�o e aparelhagens para fazer um som.
R - N�o � a mesma coisa. A gente era punk punk do come�o. De ouvir o primeiro single punk - o New Rose, do Damned. O primeiro LP punk, que foi o dos Ramones. Naquele momento n�o tinha essa coisa pol�tica, organizada, que veio com outras bandas depois, tipo Agnostic Front, The Clash, The Fall - mais politizadas. No come�o era mais aquela coisa: "Voc� n�o precisa saber tocar pra subir num palco." Ent�o todo mundo formava banda. Tipo os Sex Pistols indo para Manchester e os Buzzcocks inteiro na plat�ia pensando: "Vamos formar uma banda. ���!" A gente n�o era situacionista, nem anarquista, entendeu? A gente falava sobre certas coisas, mas basicamente era divers�o, rock'n'roll e sexo. O pessoal mais conscientizado era o de S�o Paulo e Rio, como o Coquetel Molotov. Tinha pessoas que chamaram aten��o para o movimento punk. A�, come�ou toda aquela quest�o de ser punk, ser traidor do movimento. Para a gente n�o era bem isso n�o. O neg�cio era rock'n'roll: subir, tocar e vamos embora. Tanto � que eu ouvia Bob Dylan e ouvia Sex Pistols. Ouvia Public Image e ouvia, sei l�... Jefferson Airplane. Se eu gostava de m�sica, eu ouvia. Deixei de ouvir muita coisa, porque realmente n�o dava pra ouvir Sex Pistols e continuar ouvindo sei l�... Yes. Mas hoje em dia eu voltei a ouvir Yes.
As pessoas que conviviam com voc�s ouviam as mesmas coisas?
D - Voc� identificava de imediato uma pessoa, um amigo, enfim, um ser vivo, se ele citava uma m�sica, sei l�, dos Ramones ou dos Sex Pistols. Imediatamente o contato era feito.
R - Era uma m�sica completamente mista, n�o era todo mundo punk. Se a banda favorita do cara era Madness, voc� percebia. Geralmente as meninas gostavam mais de bandas como B-52's, Talking Heads. Essa praia.
E voc�?
R - Minhas bandas favoritas eram o Gang of Foour, PIL e The Cure. Eu usava roupa tipo Joy Division, su�ter assim. A�, de repente tinha aquele pessoal com visual punk. As meninas se vestiam mais tipo B-52's. O Dado era f� dos Ramones. Quer dizer, � f� dos Ramones at� hoje.
Nenhum de voc�s usou visual punk?
R - A gente fazia roupa punk. Eu fui preso por usar roupa punk.
B - Andava rasgado...
R - A gente � que tinha que inventar, porque ainda n�o existia.
D - A gente fazia at� buttons naquela �poca, porque n�o tinha onde comprar. Era outra �poca. N�o � que nem hoje, que voc� liga a TV e tem MTV, a Hebe fala de rock. Naquela �poca n�o existia. Mesmo com Pink Floyd ou Led Zeppelin, era uma tribo muito restrita. Muita gente gostava, mas n�o tinha visibilidade. Ent�o, de repente, l� em Bras�lia, quando passava The Song Remains the Same ("Rock � Rock Mesmo"), ia a galera assistir e n�o tinha virado essa coisa de marketing e consumismo, que eu n�o acho nem positivo nem negativo... � gozado, porque faz pouco tempo, quinze anos atr�s. Nem d� pra explicar.
A m�sica, nessa �poca, tinha outro tipo de influ�ncia na mo�ada?
D - A mo�ada era diferente.
R - A partir do momento em que voc� n�o tem acesso � informa��o, voc� conseguir o primeiro disco dos Sex Pistols... entendeu? Eu consegui um importado americano e ainda fiquei puto porque o meu tinha capa rosa em vez da original, amarela. Mas mesmo assim, eu falei: "oba, ent�o deve ser item de colecionador." N�o � que nem hoje em dia, que aconteceu uma coisa com o Nirvana l� ontem, hoje voc� est� sabendo: chegou o clip, os discos, o CD. Naquela �poca era muito complicado.
B - Hoje em dia, quando voc� compra um CD, com o pre�o que est�, o m�nimo que voc� quer � que tenha bastante m�sica e s�. O neg�cio � ter bastante m�sica. (risos)
R - Antigamente a gente sa�a para comprar single. O primeiro do Sham 69, I Dont't Wanna, tinha um minuto e cinq�enta segundos. A� vinha aquele LP E u���! Era de ficar ouvindo aquilo oitenta vezes. Naquela �poca eu nunca, nunca, nunca o dia imaginar que vinha Echo And The Bunnymen ao Brasil, Public Image no Brasil, Ramones nem pensar. E veio todo mundo. Olha, antigamente n�o vinha nem Alice Cooper. Ele veio em 73, e foi assim: "U���! O acontecimento da d�cada." Hoje n�o, todo mundo vem. Sou Asylum e tudo. Faltam poucas banda para vir. Imagina, Iggy Pop no Brasil, The Jesus and Mary Chain no Brasil...
B - Pena que veio atrasado, porque hoje em dia n�o vou a shows. Antes eu ia.
Porque voc� n�o vai mais, Bonf�?
B - Fui no Echo, fui no Jesus, fui em alguns. Mas n�o tenho mais saco.
R - Por exemplo, The Cure, New Order, foi assim: "Ah, p�xa..."
D - Eu vi, mas era Maracan�zinho...
B - Se viessem na �poca seria um num cantinho, outro no outro. Era outro lance.
Mas quando deu pra ver n�o batia mais igual?
R - Depende da banda.
B - Com certeza n�o era a mesma coisa. Pra mim n�o era a mesma coisa.
R - Ah, n�o. Jesus foi a mesma coisa, cara. Se bem que Jesus foi uma banda que apareceu muito tempo depois. J� � a segunda gera��o, tipo The Smiths. N�o d� pra comparar com Buzzcoks.
Porque, perdeu o encanto?
B - Hoje eu tenho 29 anos, naquela �poca eu tinha 16, 17.
E no come�o, como eram os shows de voc�s?
D - Em geral, ao ar livre. Depois teve o primeiro festival, quando
o pessoal todo se organizou.
R - N�o, mas o Aborto j� tocava. A gente tocava naquelas festinhas do Objetivo. E
tinha zilh�es de bandas, porque n�o eram s� os punks, quer dizer, n�o eram s� os
punks, quer dizer, n�o era s� a tchurma.
D - Tinha uns progressivos em Bras�lia que eram demais.
R - Bras�lia tinha essa filosofia ligada a 77, ao "fa�a voc� mesmo" do punk. Mas o que rolava era uma coisa dos anos 60, entendeu? Ent�o, era loja natural, incenso, ir para a beira do lago pra ficar l� curtindo...
B - Tinha o Projeto Cabe�as. Olha s� o nome! Mas era demais, porque todo �ltimo final de semana do m�s tinha um lance numa quadra. Eles abriam, botavam um palco, e l� subiam todos os malucos.
R - S� que a gente nunca tocou no Cabe�as porque nunca chamaram a gente.
B - Tinha um clima de "a gente est� organizando as coisas e eles s�o uns arruaceiros, desorganizados. S�o punks e v�o estragar tudo."
E nessa �poca voc�s, quando gravavam as demos, planejavam contactar as gravadoras?
R - Isso veio bem depois, em 83. O que est�vamos falando era 78, 79. Imagina, nessa �poca a gente ainda estava ouvindo Sid Vicious. Sid Vicious era vivo.
D - Na verdade eu acho que o �mpeto de gravar foi depois que os Paralamas gravaram o primeiro compacto, que tinha "Vital e Sua Moto".
J� tinha "Qu�mica", que eles gravaram de voc�s, nesse compacto?
D - Ainda n�o. Era "Vital e Sua Moto" e "Patrulha Noturna" no lado B. Ent�o, a gente recebeu, ouvia tocando e falava: "P�, que legal, os caras s�o nossos amigos, vamos tentar alguma coisa nesse sentido. "A gente entrou num est�dio que era um lugar que gravava m�sica crente e gravou acho que umas seis m�sicas.
R - Que seis nada. A gente s� gravou "Ainda � Cedo" e mais duas.
D - �, foram tr�s ent�o. Mas gente mandou para o Maur�cio Valladares aqui no Rio, que tinha um programa maldito.
R - E a menina que trabalhava no est�dio falava: "Olha, se eu fosse voc�s mudava o estilo, porque isso n�o vai dar certo. Essa m�sica � horrorosa." Falava isso da maneira mais educada poss�vel. Sabe, dando um toque: "Olha, quero poupar voc�s de uma decep��o futura."
B - Sinceramente, quando a gente entrou no est�dio nessa �poca, eu acho que s� pensava numa coisa: em ter a fita para ouvir em casa, cara.
R - Era outro mundo. Gravar um disco era um sonho t�o imposs�vel quanto o Echo tocar no Brasil. A� as coisas come�aram a acontecer. A gente come�ou a fazer shows, a ficar mais organizado. A gente conseguiu abrir um show da Blitz em Bras�lia. Tamb�m, a gente trabalhava pra caramba. ficava enchendo o saco de jornalistas: "�, mo�o, n�o vai sair a foto da gente no jornal?"
A� pintou o primeiro disco. Na �poca, voc�s costumavam dizer na impressa que n�o tinham ilus�o de ser uma grande banda, a maior banda do pa�s. Quando � que voc�s se deram conta de que isso come�ava a acontecer?
R - A gente sempre quis ser a maior banda de rock do Brasil. (risos)
B - Isso � verdade, a gente sempre achou que era.
R - S� que a gente n�o sa�a avisando. Hoje, muita gente diz que estamos entre as maiores bandas do Brasil. �s vezes, eu fico duvidando. Naquela �poca, eu n�o tinha d�vida, entendeu? Por qu�? Porque era a nossa vida que estava ali. Olha, eu n�o sei tocar, mas era aquela coisa: n�o importa se eu n�o sei tocar. O importante � falar, � me expressar, � fazer o que eu quero. E na �poca, tinha um determinado tipo de som nas r�dios que eu n�o gostava. Hoje em dia respeito, mas... os vocalistas masculinos cantavam com uma vozinha fina assim: "Que duro caminho da vida, da viiiidaaa...". Era uma coisa, imagina, a gente ouvindo The Doors, sabe, Leonard Cohen, Iggy Pop. Sabe, aquela coisa assim: "Lust for life, lust foi life..." (imita com vozeir�o). Isso me irritava um pouco. E as letras n�o diziam absolutamente nada. Existia um paralelo entre o pessoal punk reclamava do rock ingl�s da �poca, com a m�sica feita no Brasil. O que tocava no r�dio n�o tinha nada a ver com o t�dio de Bras�lia. Como n�o tinha m�sicas legais, a gente resolveu fazer nossas pr�prias m�sicas. E quando apareceram as bandas do Rio de S�o Paulo a gente falou: "�ba!!!, entendeu? Putz! Sabe, eu sou f� os Paralamas at� hoje, Kid Abelha sempre foi uma das minhas bandas favoritas. E eram muitas bandas. Ent�o, a gente achava que azia parte. Mas por a gente ser de Bras�lia, sempre foi assim, meio esnobe. Acho que por inseguran�a. Lembro de quando a gente foi pra S�o Paulo a primeira vez, eu fiquei morrendo de medo: "Ih, olha, punk de verdade." E a gente ficava olhando assim, aquelas pessoas com nariz furado e tudo. E, de repente, a gente descobriu que eles tamb�m achavam a mesma coisa da gente: "Ih, olha esses caras de Bras�lia. Ih meu irm�o, esses caras s�o barra pesada." E era tudo jovem se divertindo, entende? N�o tinha um certo cinismo que existe hoje em dia - na m�dia, porque as bandas continuam 100%, entendeu? Eu tenho lido entrevistas, tenho visto algumas bandas novas. O povo quer � fazer m�sica. E quer se divertir, juntar os amigos. E eu fico muito feliz de imaginar que hoje em dia, as bandas de Bras�lia, de uma certa maneira, conhecem o nosso trabalho. E quem sabe, talvez possam at� ter sido incentivadas pela gente. Eu estava ouvindo "1,2,3,4" do Little Quail e, sabe - � Aborto El�trico, � Blitz.
Texto enviado por: Fabiano Moraes - Legi�o Urbana Web F� Clube