Legi�o Urbana Uma Outra Esta��o
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O ROCK BRASILEIRO PERDE SEU MESSIAS(Zero Hora - 12/10/1996) A gera��o
Coca-Cola perdeu seu porta-voz. Uma Legi�o de f�s perdeu seu messias. O rock
brasileiro perdeu seu �ltimo grande poeta. Renato Manfredini J�nior, o Renato
Russo, 36 anos, jornalista, vocalista de profiss�o, rom�ntico por ess�ncia,
indom�vel de cora��o, morreu ontem a 1hl5min da manh�, em seu apartamento,
no Rio. Conforme desejo do vocalista da Legi�o Urbana, seu corpo ser� cremado
hoje. A gravadora EMI
anunciou oficialmente que o cantor de uma das maiores bandas de rock brasileiro
de todos os tempos morreu em decorr�ncia de infec��o pulmonar. Fernanda
Villa-Lobos, mulher de Dado, guitarrista Legi�o Urbana, declarou que Renato
estava anor�xico e an�mico, com forte depress�o. Dado visitou Renato na ter�a
passada, quando soube pelo pai do vocalista que ele n�o comia ha v�rios dias e
se recusava a sair do quarto. "Ele conversou com Renato, que chorou e
estava muito deprimido", diz Fernanda. H� duas
semanas, Herbert Vianna, dos Paralamas, revelou em off a Zero Hora que sabia,
por interm�dio de amigos de Bras�lia (onde conheceu Renato), que o cantor
estaria tomando um coquetel de drogas contra AIDS h� meio ano. Ontem, o m�dico
que cuidava de Renato, Saul Bteshe, confirmou que o cantor tinha AIDS h� seis
anos. O mais recente disco da Legi�o, A Tempestade ou O Livro dos Dias, tem
letras reveladoras como a de Nat�lia: "Vamos falar de pesticidas / e de
trag�dias radioativas / de doen�as incur�veis". Renato pesava 45 quilos
quando morreu. Foi a verve po�tica
de Renato Russo que catapultou a Legi�o Urbana ao status de religi�o.
Intempestivo, incoerente, am�vel, Renato espelhou seu tempo - e sua turma -
como poucos. Ganhou a venera��o dos f�s, t�o jovens, revoltados e humanos -
e os humanos s�o t�o imperfeitos - quanto ele. Personificou um pouco de cada
guru gringo - novos ou velhos - que nem todos os jovens brazucas conheciam. Foi
dilacerante como Ian Curtis, messi�nico como Bono Vox, genialmente conturbado
como Jim Morrison, incendi�rio como Mick Jagger, cronista como Bob Dylan,
hedonista corno Iggy Pop, sofredor como Morrisey. A m�sica -
subproduto de rock gringo - n�o � o melhor atributo das bandas brasileiras dos
anos 80. A gera��o de Renato Russo dava import�ncia ao que falava, porque tinha o que falar, e estava se acostumando,
gradativamente, a poder falar: Uma gera��o da qual fez parte Cazuza, que tamb�m
morreu jovem, tamb�m deixou saudade, tamb�m escrevia como poucos. Renato deixa
a cruel d�vida de uma improv�vel sucess�o. O rock perdeu o
Renato �cido, o Renato que gostava de meninos e meninas, o Renato terno o
Renato dependente qu�mico, o Renato com tend�ncias suicidas, o Renato
letrista; o Renato Jerry Adriani; o Renato marqueteiro, o Renato que foi o
futuro da na��o, o Renato que cantava em italiano para o namorado, o Renato
que passeava alegre pela Stonewall, o Renato que celebrava a estupidez humana.
Hoje, Renato � apenas um anjo triste. Que descanse em paz.
ROMANTISMO MARCOU A CARREIRA SOLO Renato Russo
nunca escondeu que gostava de meninos e meninas. Ele n�o se importava com o
risco de perder publico, tanto que gravou um disco solo com as can��es que
ouvia ao lado do ex-namorado, The Stanewall Celebration Concert. Assumido como
um disco gay; o rom�ntico Stonewall tem um repert�rio variado, que vai de Send
in the Clowns, de Stephen Sondheim, a Cherish, de Madona, passando por Cathedral
Song, de Tanika Tikaram. No seu segundo
disco solo, Renato afirmou seu romantismo. Equil�brio Distante, puxado por La
Solitudine e Strani Amori, vendeu cerca de 400 mil c�pia no primeiro semestre
deste ano. O CD agradou a um p�blico que ia de adolescentes que come�avam a
acostumar o ouvido com outro idioma n�o o portugu�s ou o ingl�s a adultos
saudosos do per�odo em que a It�lia ditava moda na m�sica. Ent�o veio A
Tempestade ou O Livro dos dias. Depois de tr�s anos sem gravar e fazer shows,
Renato Russo, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonf� reuniram-se em est�dio. Entre
brigas e crises pessoais, sem divulga��o previa e apressadamente (o conte�do
final � apenas a pr�-produ��o do disco), saiu a obra mais depressiva do Legi�o.
As letras s�o tristes; desesperan�osas e contundentes. Em vez da vibra��o e
- por que n�o? - da alegria dos trabalhos solo de Renato, o pessimismo de L'Avventura:
"Seu olhar n�o conta mais est�rias / N�o brota o fruto e nem a flor / E
nem o c�u � belo e prateado / E o que eu era eu n�o sou mais". Deprimido,
Renato Russo pode cantar: "Nada mais vai me ferir" (Andrea Doria). A n�s,
�rf�os do poeta; resta ouvir os discos do Legi�o no volume m�ximo, como a
banda pedia, e lembrar versos como o de Angra dos Reis: "Quando as estrelas
come�arem a cair / Me diz, me diz pra onde a gente vai fugir". R�QUIEM POR UM POETAO poeta,
compositor, cantor e demiurgo Renato Russo surgiu de um aborto. Aborto El�trico,
banda brasiliense, nome emergido de uma cena do Brasil dos 80. Uma amiga de
Renato, gr�vida, abortou numa passeata sua beb�-menina, depois do choque
desferido pelo cassetete el�trico de um policial. A garotinha se chamaria F�tima,
se vivesse. Virou m�sica, um bramido. Aconteceu na capital est�ril de um pa�s
ansioso, excitado, enlouquecido com a perspectiva de recuperar a fertilidade
castrada a baioneta. Nas noites
sufocantes da metade dos 80, no Bom fim porto-alegrense e territ�rios aliados,
tamb�m soavam as partituras do h�lito novo. O rock brasileiro vinha na voz
tatibitate de Cazuza (com Bar�o Vermelho, depois sem), nas piadinhas da Blitz,
que passava e deixava em sua trilha, Lob�o e seus Ronaldos, com os Paralamas,
fazendo todos cantar �culos, nas Louras Geladas do, fugaz RPM. E com a filha -
g�mea da fr�gil Capital Inicial e herdeira c�smica do Aborto El�trico, a
Legi�o Urbana. A Legi�o arremetia puxada pela voz poderosa (parece o Jerry
Adriani, o coment�rio bobo � geral da �poca) de Renato Russo. Ainda com
matizes de raiva ing�nua, as letras purgavam os sentimentos da gera��o
coca-cola, os leg�timos filhotes da ditadura, ou seja, n�s. Faziam tremer os
ch�os das festas quando urravam o pedido incandescente, "Tire suas m�os
de mim, eu n�o perten�o a voc�". A vida voltava a derramar fecundidade
por ruas, bares, camas. O slogan poderia ser "nenhuma garagem sem sua
banda, nenhuma noite sem uma menina". Os 80 passaram.
Nos 90, Renato Russo vestiu sabe-se l� se a contragosto - trajes messi�nicos.
Parecia n�o haver mais felicidade na rebeldia - e essas s�o condi��es
insepar�veis -, agora estert�rica. O taumaturgo barbudo protagonizou shows
violentos, acontecimentos amedrontadores, fez um mergulho tenebroso, drogas e
tudo o mais, sem voltar com o fogo desejado para ensinar o que faltava aos
homens-adolescentes imantados que lotavam gin�sios e est�dios. O menestrel
caudaloso, aflito, proferia blasf�mias em dolorosa conten��o para n�o
explodir com suas puls�es devastadoras. Tudo era �spero, e ainda assim Renato
Russo, anjo demolidor, deixava escorrer do palco uma perturbadora agonizante? -
piedade por nossos fracassos, nossa prostra��o, nossas rejei��es. Para al�m da
voz, o anjo insurreto que se impusera a tarefa de cair, chafurdando na maelstrom
da redescoberta dos 80, da redescoberta da liberdade, da euforia, retornava, sem
a chama redentora, a um deserto de dor. E todas as crian�as, nos gin�sios e
est�dios lotados, eram insanas. O auto-ungido deve ter chorado s�. Poetas
verdadeiros, de sentidos desregrados, inimigos da velha dama chamada Prud�ncia,
peregrinos eternos no caminho dos excessos rumo ao Pal�cio da Sabedoria, s�
descansam quando apaziguados seus tormentos. Esses s�, se
aplacam na morte. N�o h� tristeza nisso apenas � assim. Renato Russo est�
morto. Com ele, seus tormentos - que muitos outros, vivos, mant�m, e que mant�m
muitos vivos. Ou adormeceu. Descansou o remo, talvez um dia volte a remar.
Certeza, apenas temos de que o sil�ncio do menestrel servir� carni�a, ritual
para crocitar l�gubre de aves agourentas. Atribuir�o sua morte a tudo,
inclusive a supostas alcovas macabras que tenha freq�entado. Pobres, miser�veis,
indigentes de esp�rito, n�o entender�o nunca que anjos mesmo os rebelados n�o
t�m sexo. |
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Skooter 1998 - 2008 |
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