Legi�o Urbana Uma Outra Esta��o
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DOCE-AMARGO RETRATO DE UM ANTI-HER�I
QUE N�O QUER SER QUIXOTE

(Trechos da entrevista, O Estado, Florian�polis (SC), 17/julho/1988)

Mesmo que quisessem, as meninas n�o conseguiriam suspirar com sua presen�a. �culos pequenos, barba, uma certa (des)eleg�ncia desengon�ada, fazem de Renato Russo, 28 anos, vocalista e principal compositor da Legi�o Urbana, uma esp�cie de ant�doto. Suas letras �cidas ganharam o Brasil e tornaram-se amea�as de tremores nos est�dios do pa�s. "Que Pa�s � Este?" e "Faroeste Caboclo" fizeram-se o retrato do pa�s dos sonhos murchos. Como pano de fundo, rock, poesia e desobedi�ncia, uma f�rmula incontest�vel de sucesso. (...)

(Por Renato Lemos Dalto)

O que te levou a ser um roqueiro?

RR - Sempre gostei de m�sica como forma de express�o. Os rom�nticos de antigamente como Casimiro de Abreu, escreviam poesias quando tinham 20 anos. Depois, no in�cio do s�culo XX, vieram os pintores e escultores na Semana de Arte Moderna. Teve o pessoal que fazia teatro coletivo na d�cada de 60 aqui no Brasil. Pra gente, o rock foi o caminho ideal. � mais f�cil compor uma can��o e cantar do que escrever um livro. Qual a outra alternativa? Fazer um v�deo? Isso � outra �rea, outra gera��o. Como sou muito verbal, nenhuma outra forma iria traduzir o que eu queria dizer.

Qual � a maior contribui��o do rock enquanto fen�meno de massa no Brasil?

RR - Um resgate da mem�ria nacional.

Mem�ria do qu�?

RR - Mem�ria do que est� sendo feito. Por exemplo, se voc� pegar a carreira da Rita Lee, ver� que ela � muito melhor documentada que a do Capinam, e eles eram contempor�neos. O rock � uma arte bastarda que est� ligada ao mecanismo de massa, � informa��o, documenta��o. N�o � como Herivelto Martins, Noel ou Pixinguinha, sendo que os dois �ltimos morreram e a gente n�o sabe mais nada. Se voc� quiser saber o que foi a Bossa Nova, que foi um movimento muito mais importante, n�o vai ter informa��o. Eu j� vi retrospectiva da Legi�o Urbana na televis�o, quer dizer, s�o informa��es de arquivo e a gente tem apenas tr�s anos de carreira. A gera��o rock coleciona muito, preza muito a informa��o, � o man�aco de hist�ria em quadrinhos. Outra contribui��o � a possibilidade do jovem brasileiro se conhecer e perceber que, mesmo dentro da igualdade de um prot�tipo - todos eles usam jeans e v�o ao shopping center - existem diferen�as regionais. E se pode ter um retrato mais amplo da juventude brasileira. De repente, tem um conjunto que fala daquilo que voc� sente e � o mesmo que as pessoas sentem. E descobre que n�o est� sozinho.

Por que a juventude est� t�o paralisada?

RR - Quem n�o tem uma rede embaixo, n�o vai tentar um triplo mortal. O movimento das esquerdas nos anos 60 n�o deu em nada. Agora tem que tentar um novo caminho sem ter nenhuma sa�da: o povo est� sem educa��o, sem alimenta��o, e a estrutura pol�tica est� totalmente sem base �tica, ent�o fica muito dif�cil. N�o tem modelo, n�o tem referencial, nem mentores que indiquem o caminho. Porque as gera��es anteriores, al�m de estarem totalmente desiludidas, jogam toda essa desilus�o nos pr�prios jovens. Um cara como o Ferreira Gullar dizer que a gente � uma gera��o sem car�ter, � de perder a confian�a. O Baden Powell tamb�m falou isso. E eram pessoas que eu respeitava. Ent�o, em quem � poss�vel confiar? Em Caetano Veloso, mas ele tamb�m est� fora disso. O m�ximo que voc� pode fazer � tentar se interiorizar, buscar algo mais tribal, de sobreviv�ncia mesmo, tanto a n�vel ps�quico- -emocional como intelectual, informativo, social, pol�tico, sexual, tudo. A quest�o sexual tem a AIDS. E a AIDS coloca toda e qualquer a��o humana sob outro prisma.

A Legi�o vem de Bras�lia, o centro do poder e, em contrapartida, usa a linguagem do rock, que � antes de tudo uma atitude de transgress�o. Como � viver esses dois lados da moeda?

RR - A gente n�o est� mais em Bras�lia, mas foi divertido porque �ramos filhos de classe m�dia com casa, comida, papai e mam�e e falando mal de tudo. Mas vingou porque o pessoal do Rio de Janeiro, quando foi reclamar das mensalidades das escolas, cantou m�sicas da Legi�o Urbana, Ultraje, Tit�s. Ent�o todos aqueles ataques feitos ao rock, de que era sem consci�ncia, irrespons�vel, caiu por terra. A garotada cantava "Que Pa�s � Este?", "In�til" do Ultraje ou ent�o "Desordem" dos Tit�s. Quanto a Bras�lia, eu n�o sei explicar direito, porque a gente est� mudando, somos mais adultos, n�o somos mais adolescentes. Eu diria que a proximidade do poder faz com que se voc� quiser ter uma postura rebelde, irresponsavelmente, � muito mais f�cil. (...)

 

 

Al�m das preocupa��es espirituais, tens o lado bem po�tico que se mostra nas tuas letras.

RR - Me considero um letrista e n�o um poeta. Tenho um certa preocupa��o com o que eu escrevo, � l�gico, sempre gostei da palavra, fui um bom aluno em literatura e gram�tica. Tenho uma forma��o cat�lica, sou pequeno burgu�s mesmo, minha fam�lia � burguesa, fui educado pra fazer as coisas bem feitas, o melhor que puder.

 

 

Tua forma��o � luterana?

RR - Luterana, n�o, Deus me livre. Luterana � pior ainda, n�o estou querendo julgar ningu�m, mas eles s�o muito mais disciplinadores. A minha hist�ria � uma coisa de imigrante italiano, de voc� tentar fazer o melhor. A�, no momento em que escrevi as letras e descobri que poderia tamb�m trabalhar rimas ricas, fui tentando aprimorar. Tanto � que neste �ltimo disco tem uma desculpa: "Olha, as letras est�o no original, com signos pobres e tudo". Houve cr�ticas em rela��o a isso. Eu, pessoalmente, vou tentar n�o rimar verbo no intransitivo com verbo no transitivo. Vou tentar fazer algo bom porque vou ficar mais satisfeito e o trabalho ser� mais duradouro se tiver qualidade.

 

 

E o papel pol�tico que o artista representa atrav�s dessas letras?

RR - Eu n�o gosto de comentar sobre essas coisas. �s vezes, penso se n�o concordo com Plat�o. Na Rep�blica, ele fala que os artistas s�o nocivos para uma sociedade.

 

 

Mas ao mesmo tempo esta Rep�blica do Plat�o coloca que a sociedade deveria ser governada pelos s�bios, e o artista tem a sabedoria da sensibilidade.

RR - Eu sei, mas n�o consigo verbalizar isso tudo. Acho que a fun��o do artista est� mais ligada a p�o e circo. Mesmo que seja p�o e circo emotivo, uma coisa que v� te alimentar psiquicamente. Entendo que o artista n�o deve se envolver em pol�tica partid�ria. Fa�o uma pol�tica diferente: falo de coisas que interferem na minha vida. Em outra �poca, talvez n�o estivesse falando "Que Pa�s � Este?". Para mim vai ser muito f�cil fazer uma m�sica para algu�m que perdeu o emprego porque estou vendo isso, tenho muitos amigos nessa situa��o. S�o coisas que me tocam emocionalmente. Chego ent�o nesses assuntos ligados � pol�tica do Estado atrav�s da emo��o. Simplesmente, fui tocado pelos fatos e isso filtra nas m�sicas, embora eu n�o tenha nenhum plano e n�o entenda de pol�tica.

E a �poca do Geraldo Vandr�?

RR - Foi h� vinte anos e o Vandr� ficou louco.

Tu refletes o pessimismo do pa�s nas letras, numa tentativa de denunciar e puxar a situa��o para cima. H� um desgaste geral dos discursos mais pol�ticos e a realidade � completamente outra? N�o h� mais condi��es de ningu�m virar um m�rtir, como nos anos 60?

RR - Condi��es existem mas eu n�o sei como isso vai satisfazer meu ego. Porque eu acho que tudo � satisfa��o a n�vel de ego. A gente est� em outros tempos. Se eu morrer em nome da arte, n�o vai dar em nada.

E a postura do Lob�o, no ano passado, que abriu uma discuss�o em torno da droga?

RR - O Lob�o sabe manipular muito bem isso. Se ele n�o soubesse, j� teria morrido.

N�o est�s a fim de entrar nessa?

RR - N�o estou a fim de ser levado pela bola de neve, pela correnteza.

A guinada para outro lado. Disseste que tens procurado uma vida mais saud�vel, dormir mais cedo.

RR - Isso � muito dif�cil, eu n�o consigo dormir cedo nem ser espiritual. Falo isso, mas � a coisa mais dif�cil do mundo, minto, fa�o milh�es de coisas erradas. Mas ao menos cheguei ao ponto de verbalizar o que eu quero, estou tentando, n�o saio mais tanto, dou menos pulinhos aqui e ali. � porque a gente tamb�m deu muita sorte, teve a chance de fazer o que gosta e ser remunerado por isso, ent�o voc� v� as coisas diferentes. Passamos pelo primeiro e pelo segundo disco. Cantei "Ser�" para vinte pessoas e 30 mil pessoas. Visitamos o Brasil inteiro, conhecemos o pa�s e os lugares. Atrav�s das entrevistas sabemos das quest�es que est�o sendo colocadas. Temos lido jornal, estamos com as antenas ligadas. E depois que o tempo passa e voc� consegue manter uma certa perseveran�a em seu trabalho, isso faz com que voc� cres�a. Ent�o � a tal hist�ria, se da primeira vez me queimei porque a sopa estava muito quente, da pr�xima vez vou pegar a colherinha e soprar at� esfriar. Ent�o tem certas coisas que a gente viu. � como se estiv�ssemos antes no pr�-prim�rio e agora na segunda s�rie. (...)

N�o tens mais paci�ncia para cair na estrada e na vida, como as outras gera��es. A sa�da � mesmo apenas espiritual?

RR - Acho que a minha gera��o nunca entrou nessa.

Mas tu entraste neste pique e agora est� saindo.

RR - Sempre fui rebelde. Mas nossa gera��o � totalmente careta. Tanto � que o pessoal das bandas de rock de hoje � justamente a exce��o. Agora � ao contr�rio, todo mundo gosta de rock. Na �poca da adolesc�ncia, �ramos os loucos, n�o tinha aquele esp�rito dos anos 60. Fomos as ovelhas negras, mesmo. Agora a coisa est� mais aberta, sei que esse pessoal de 14, 15 anos, cheira lol�, mas isso est� se diluindo porque todo mundo percebe que n�o leva a lugar nenhum, a partir do momento que n�o est� trazendo nem prazer. � uma bobagem falar assim porque talvez seja totalmente errado. Parei n�o foi por medo nem nada, simplesmente n�o tinha mais prazer em tomar um �cido, me sinto bem quando estou feliz e careta. Antigamente, quando estava feliz, usava a droga para exacerbar a me sentir melhor ainda. Bebida tamb�m n�o � a solu��o. As coisas est�o de tal maneira que o que vai te dar felicidade � justamente ficar careta porque todo mundo est� louco. (...)

Quais as tuas refer�ncias em termos de poesia?

RR - Fernando Pessoa, Drummond, na m�sica Caetano Veloso e gosto muito de sonetos.

Esses sonetos s�o bem romantismo.

RR - �, n�o gosto muito da tem�tica deles, mas eu gosto do jeito que eles falam, sabe, aquele neg�cio "o gosto amargo do teu corpo ficou na minha boca". Gosto de Ad�lia Prado e dois poetas ingleses, tenho tara por Shakespeare. Leio pouca coisa dele porque tenho dificuldade de ler o ingl�s antigo, � muito on�rico, tem muita nota de rodap�. Gosto mais dele quando vai para o lado do amor, ele tem muitas musas. Tem tamb�m um poeta chamado W. H. Auden que acho legal. Todo o escritor ou compositor que a simplicidade para ficar na hist�ria.

Tu achas que a arte, quando fica complexa, � antipopular ou ela deve buscar um caminho de liga��o com o futuro que � em s�ntese, a vanguarda. Te preocupas com a quest�o da estrutura das letras e com a busca da universalidade do teu trabalho?

RR - A gente tenta e nunca consegue. A quest�o central � o tempo. O tempo passa e voc� v� que os modernistas est�o assimilados. Um quadro cubista, por exemplo, n�o vai surpreender, mas eu duvido que uma pessoa tenha realmente a ess�ncia b�sica para entender aquilo. Tenho dificuldade para entender certos quadros abstratos. Prefiro o naif, que veio com a pintura moderna, algo ing�nuo, aquelas casinhas. Isso eu entendo. Um artista como Andy Warhol � moderno, mas o que ele faz � super-simples, todo mundo entende. Claro que precisou ter um tempo para voc� saber o que s�o aquelas latas de sopa que ele retrata. O simples atinge mais o cora��o das pessoas do que algo mais abstrato, embora os meios de comunica��o de massa fa�am coisas cheias de signos. As pessoas de hoje em dia t�m a capacidade de entender as coisas muito mais r�pido do que antigamente. Um programa como o TV Pirata, cheio de alus�es, exige um certo n�vel cultural para ser entendido e todo mundo entende. A n�vel de arte acontece a mesma coisa. Se voc� pegar um texto abstrato, uma poesia concreta, hoje em dia qualquer garoto de 12, 13 anos vai saber o que est� ali. Talvez n�o sinta e nem goste, mas percebe. S� que ainda sou pelo mais simples.

Texto enviado por: Fabiano Moraes - Legi�o Urbana Web F� Clube

 

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