Legi�o Urbana Uma Outra Esta��o
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OK, ESTAMOS NUM EMPASSE

(Trechos da entrevista, Caderno "B", Jornal do Brasil, 27/junho/1988)

Envolvido num conflito que resultou em 385 atendimentos m�dicos e um processo movido pelo governo do Distrito Federal, o l�der do grupo de rock Legi�o Urbana, Renato Russo, 28, ex-funcion�rio do Codecon (Coordenadoria de Defesa do Consumidor), renega a pecha de incitador e o papel de messias: "Se eu souber que n�o tenho respostas, j� tenho muita sorte". (...)

(Arthur Dapieve e Paulo Ad�rio)

A pergunta � inevit�vel: na sua opini�o o que aconteceu em Bras�lia?

RR - Eu n�o sei o que aconteceu em Bras�lia. Mas acho o que houve foi uma esp�cie de catarse coletiva, levada para um lado errado. As emo��es das pessoas vieram � tona, foi uma coisa muito visceral. (...) No caso da banda, a gente entrou inocentemente, a gente realmente achava que ia ser uma festa, sem pensar que seria perigoso juntar 50 mil pessoas em Bras�lia. A gente se esqueceu do bardena�o que teve em Bras�lia, que foi o mais violento de todos no pa�s. O que aconteceu foi o seguinte: perdeu-se o controle. Todos perderam o controle. Todos t�m uma parcela de culpa.

E qual a parcela da banda?

RR - Ter feito o show. Acho injusto as pessoas dizerem que o que aconteceu foi porque a banda, principalmente eu, incitou a plat�ia. Porque agora j� � sabido que os atos de viol�ncia j� estavam presentes antes mesmo de se pensar em atraso de show. �s seis da tarde, na rodovi�ria, j� estavam quebrando �nibus. Antes das nove e meia, hor�rio marcado, j� tinha gente tacando morteiro nas outras pessoas, gente com as pernas fraturadas, com a clav�cula quebrada. (...)

Talvez Bras�lia seja um tambor do pa�s. Voc� acha que o p�blico jovem � um rebelde sem causa?

RR - Eu acho que a quest�o da viol�ncia � uma quest�o do planeta. A humanidade � violenta. Mas quando o Estado consegue fazer com que o cidad�o se sinta �til, quando o cidad�o confia no Estado, esses momentos de viol�ncia ficam mais esparsos. Sobre a viol�ncia do psic�tico, a do ladr�o, mas n�o � uma viol�ncia contra o cidad�o. No Brasil, essa viol�ncia contra o cidad�o, al�m de ser traduzida como viol�ncia, como na Rocinha ou nos jogos de futebol, envolve a agress�o ao cidad�o no sentido de voc� n�o ter uma base, uma seguran�a. A quest�o da infla��o, a pr�pria Constituinte n�o resolvida. Quando a perplexidade se confronta com ela mesma, numa ocasi�o de festa como o show da Legi�o Urbana, num lugar onde ela � naturalmente exacerbada por causa da proximidade do poder e das pr�prias caracter�sticas de Bras�lia como cidade – ou seja, um feudo cercado de Brasil por todos os lados -, a coisa se torna realmente uma panela de press�o.

Voc� acha que h� um fen�meno cultural nessa viol�ncia? O rock induz � viol�ncia?

RR - Eu acho que o rock induz, como outras coisas induzem, � a��o, � energia. Dependendo da t�mpera de cada indiv�duo, essa energia vai ser expressa de forma violenta, atrav�s da indiferen�a ou atrav�s de uma forma positiva. O fato de voc� estar fazendo com que a pessoa sinta alguma coisa, grite, cante, n�o implica que de repente ela vai cantar e dan�ar simplesmente. Algumas pessoas v�o dan�ar e dar porrada na pessoa do lado, ou tacar coisas no palco. Algumas v�o fumar seu baseado quietas e outras v�o incomodar outras pessoas.

Qual � o papel da droga?

RR - H� um consumo muito grande em apresenta��es de rock, isso � not�rio. Uma coisa muito comum entre a juventude de Bras�lia � o lol�, e ele leva � viol�ncia. Sou contra qualquer tipo de drogas. � como a gente diz em "Conex�o Amaz�nica": "Alimento pra cabe�a nunca vai matar a fome de ningu�m."

Quando os Tit�s cantam "Porrada", por exemplo, isso n�o � um est�mulo, uma incita��o?

RR - N�o. Isso j� seria o aspecto do background cultural do p�blico. Em Bras�lia, de certa forma, as pessoas n�o t�m grande informa��o como nos grandes centros. Quando os Tit�s cantam "Porrada" no Rio ou em S�o Paulo, as pessoas v�o ter background necess�rio para saber qual � o c�digo que est� sendo usado.

Qual � o c�digo?

RR - � justamente utiliza a viol�ncia n�o para inspirar as pessoas, mas para se inspirar na viol�ncia. Voc� n�o est� incitando. Mas o material usado para se expressar s�o justamente as coisas violentas que voc� v�. Trabalhar isso e fazer isso - no caso eu n�o diria arte porque consumo de massa n�o � arte -, express�o. Quando os Tit�s cantam "porrada", quando o Lob�o canta "sangue e porrada na madrugada", quando Cazuza canta "eu quero uma ideologia", a gente n�o est� necessariamente incitando � viol�ncia, a gente est� expondo uma situa��o, dando nossa interpreta��o do fato.

Mas voc�s est�o falando para o p�blico consumidor urbano, parte dele marginalizado economicamente, que, portanto, n�o disp�e desses c�digos. Voc�s, autores, sabem que eles n�o disp�em desses c�digos.

RR - Mas eles disp�em. � tudo interligado. Existe a televis�o. Existem os an�ncios de jeans. O pr�prio ato f�sico de ligar o r�dio j� implica numa civilidade. Se ela n�o souber ligar o r�dio, a� sim, eu acredito que ela n�o vai estar sabendo que quando se canta "a viol�ncia � t�o fascinante" que estou realmente falando assim: "Olha, n�o por a�." (...)

Num tempo sem cren�as, algumas pessoas pegam o que voc� fala, o Arnaldo Antunes e alguns outros, como se fossem palavras iluminadas. O que h� de ben�fico e mal�fico nesse messianismo?

RR - O maior perigo � para o p�blico. Um belo dia, ele vai descobrir que seu �dolo tem p�s de barro, � uma coisa muito dolorosa porque messias n�o existem.

Mas voc� pretende estar expressando...

RR - O que eu penso e o que eu sinto. S�. Quando eu falo essas coisas n�o � para mudar a cabe�a de ningu�m.

E se voc� levar isso para a sua m�sica, que as pessoas compram, elas compram por qu�?

RR - Eu gosto de acreditar que elas compram porque elas sentem e percebem que eu sinto e percebo exatamente aquilo que eles sentem e percebem. Se a Legi�o tiver uma for�a � a de ser igual ao p�blico.

Mas esse � o caminho do messianismo. Primeiro, voc� estabelece uma identifica��o com as suas ovelhas e depois voc� as conduz.

RR - Se eu realmente estivesse num caminho messi�nico teria controlado aquele show. Eu tenho a minha individualidade, n�o sou um messias, eu vou chamar de babaca. Pessoalmente, eu busco pontos de refer�ncia.

E quem poderia ser ponto de refer�ncia?

RR - Eu sinto a dor de Mill�r Fernandes de n�o poder falar com os jovens. E n�o � porque a gente n�o t� ouvindo, n�o. � porque n�s n�o vamos ter como ouvir. Porque essas pessoas n�o v�o poder falar: "N�s fizemos assim e n�s podemos ter errado, mas n�s tentamos e pelo menos teve resultado". Mas n�o teve resultado nenhum. Voc� tentou construir uma casa e nem chegou a delimitar o terreno. Como voc� vai ensinar o mais jovem a construir uma casa? Porque ele vai virar e vai falar assim: "Tudo bem, eu at� admiro que voc� queira me ensinar, mas voc� n�o tem capacidade, porque voc� tentou desesperadamente e n�o conseguiu."

Tudo bem, eles tentaram. E voc�s, est�o tentando?

RR - Se a gente est� tentando, est� tentando de bobo que a gente entrou nesse trem de bobo. A gente entrou nesse trem achando que ele ia pra Disneyl�ndia e depois ele foi pra Auschwitz, porque eu nunca sa� da minha casa pra cantar rock’n’roll pra t� falando essas coisas aqui. Nunca. Eu queria era sexo, drogas e rock’n’roll. Ok, estamos num impasse. N�o adianta mais fingir.

Texto enviado por: Fabiano Moraes - Legi�o Urbana Web F� Clube

 

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