Legi�o Urbana Uma Outra Esta��o
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LEGI�O ERRANTEA longa jornada do trio, da f�brica de hits at� o
neoprogressivo (Bizz, edi��o 78, 01/1992) "Que
dia � hoje? Dezoito de outubro? O d�lar t� quanto? 670? Esta entrevista vai
ser publicada em dezembro? DEUS ME LIVRE do que vai acontecer at� l�!!!" (Por
Alex Antunes) � o Renato Russo que eu conhe�o. Hoje � treze de
novembro e o d�lar est� a 800 e qualquer coisa (despencou. Mas s� depois de
ter estourado a barreira dos mil, para g�udio dos alarmistas em geral e dos
especuladores em particular). E n�o aconteceu nada de digno da preocupa��o de
Deus - pelo menos nada do que Ele j� n�o esteja careca de conhecer. P�, j� faz um m�s que eu entrevistei os caras. E s�
depois de uma longa e tenebrosa primavera � que nos chegou �s m�os, hoje, o
raio do disco (ali�s uma c�pia pirata. N�o, dona Odeon, n�o conto como eu
consegui). Tamb�m � s� hoje que parecem, finalmente, estar superadas todas as
confus�es que Russo & Cia. criaram com os fot�grafos que a BIZZ incumbiu
de clic�-los - em geral uma miss�o prosaica, mas nunca no caso da Legi�o. A velha Legi�o �ntegra e fr�gil. A velha Legi�o
sublime e pentelha. � s� por isso que a Legi�o est� na capa de janeiro, e n�o
de dezembro, quando foi lan�ado o disco... Ou, do meu ponto de vista, quando
ser� lan�ado, visto que eu estou transcrevendo, em novembro, a entrevista
feita em outubro. De volta para o futuro, parte quatro. O d�lar t� quanto,
leitor? Que treta foi essa com a gravadora? RUSSO - � que n�s negociamos, para o
quinto disco, um contrato com total liberdade art�stica. Nossa rela��o com o
pessoal da Odeon era quase afetiva e, no momento em que resolvemos fazer a coisa
sozinhos, pintou um certo ressentimento. DADO - Eles j� tinham pisado na bola.
Tentaram lan�ar uma colet�nea pelas nossas costas, a gente vetou... A�
cortamos o cord�o umbilical. RUSSO - Mas agora j� est� tudo
resolvido... � que n�s �ramos os "bichinhos mimosos", os enfants
gat�s da gravadora. P�, eu estou com 31 anos, um homem casado, com filho. N�o
� mais aquela coisa (imitando criancinha) de "Oi, tio, e o disco,
tio?" V� falar com os nossos advogados! Se at� o Axl Rose j� reclamou da
Geffen... E como � o disco? RUSSO - Ih, tem umas coisas medievais, uns
instrumentais. O primeiro lado � uma viagem. V�o dizer assim: "Legi�o
repete f�rmula e lan�a disco progressivo (risos)..." Progressivo? RUSSO - Ah, eu adoro progressivo! Porque n�o
me faz pensar. � m�sica escapista. Estou ouvindo o Nursery Cryme do Genesis,
imagina... N�o todo dia, � claro. Mas eu voltei a colocar na vitrola. Na MTV,
se voc� pega o programa certo, tem umas coisas muito boas... eles passam
De-Falla! Mas �s vezes eu quero ouvir coisas que me acalmem. � todo meu imagin�rio,
� o que eu ouvia quando tinha onze, doze, treze anos... Voc� jogou seus discos progressivos fora? Porque eu,
na �poca da new wave, dispensei e depois tive que comprar de novo... RUSSO - N�o, eu guardo tudo! E tem bandas
que eu nem percebia como eram boas... Eu achava Emerson, Lake & Palmer o m�ximo
- hoje eu ou�o e sei que � creca, aquilo n�o � bom de jeito nenhum. Agora,
voc� pega o Lark's Tongues In Aspic ou at� o Islands do King Crimson, e
tirando aquelas coisas barrocas... Cara, "Ladies Of The Road" � bom
pra caralho! Nosso disco vai
ter uma balada de onze minutos e meio, que se chama... (em tom solene)
"Metal Contra As Nuvens"... A gente tentou fazer umas coisas pesadas,
mas ficava t�o frau... Fizemos isso por pregui�a. P�xa, a gente tem que
trabalhar no formato LP. E seria muito desagrad�vel repetir o Quatro Esta��es,
que virou um hit singles pack. At� hoje est� tocando "Sete Cidades"!
Acho que n�o h� uma m�sica daquele disco que n�o tenha tocado no r�dio,
umas mais, outras menos... At� "Feedback Song", que � a que menos
tocou, foi primeiro lugar na r�dio 89 de S�o Paulo, ou coisa parecida. A�
como � que fica? A gente vai ser obrigado a fazer quantos hits, j� que o �ltimo
tinha nove... E as outras faixas? RUSSO - O lado A come�a com um texto em
portugu�s arcaico, escrito em 1200. � a ant�tese do Quatro Esta��es, aquela
coisa de que o amor-vai-salvar-todo-mundo... De repente este disco abre falando
assim... "Pois nasci nunca vi amor/E ou�o dele sempre falar". �
assim. Nunca vi. N�o existe. Acabou. A� vem aqueles onze minutos daquela coisa
superlenta... Fala de coisas de hoje em dia, mas de um ponto de vista meio
medieval: "N�o sou escravo de ningu�m/Ningu�m senhor do meu dom�nio..."
Depois tem um instrumental chamado "Ordem Dos Templ�rios", e mais
oito minutos de "Montanha M�gica", que � uma m�sica sobre hero�na...
Esse � o primeiro lado. Do outro � que est� a realidade, as can��es mais
normais. Acho que � um disco bom para namorar, para fumar um... � uma esp�cie de Low do David Bowie ao contr�rio,
com o lado "dif�cil" na frente... RUSSO - Mas n�o deixa de ser Legi�o. A
gente sempre � meio brega. No primeiro disco a gente ainda tinha uma certa
virul�ncia. Agora, em vez de ficar reclamando, a gente faz uma m�sica
totalmente linda (cantarolando), "parararar�, o mundo est� uma
merda..." E as letras? RUSSO - � um disco de transi��o... BONF� - Claro que � de transi��o. A
gente grava s� de dois em dois anos, todos os nossos discos s�o de transi��o... RUSSO - � de transi��o porque eu
comecei a fazer an�lise. N�o tenho mais aquele angst de jogar tudo nas letras.
Sei l�. � a primeira vez que eu tenho certeza de que as letras s�o boas, mas
eu n�o sei se gosto. Antes eu gostava, mas n�o sabia se estava bom... A Legi�o perdeu o �mpeto juvenil? RUSSO - N�o, no disco tem uma letra que
diz "o mundo come�a agora/S� agora que come�amos"... � claro que
quando eu tiver 40 anos vou dar outra desculpa. O nosso amigo Mick (Jagger)
dizia: "Como � que eu vou cantar 'Satisfaction' quando eu tiver X
anos?" E hoje o cara est� com X mais 14 e t� l�, cantando "Satisfaction"...
A verdade � que a gente ainda nem sabe tocar direito. Hoje � o Dia do M�dico,
e o Dado ta� perguntando quando � o Dia do M�sico Estagi�rio... DADO - O Dia do M�sico Estagi�rio � de
noite... RUSSO - O maior trabalho que esse disco
deu foi para fazer a coisa o mais simples poss�vel. Eu adorei escrever coisas
como "Acrylic On Canvas", mas neste disco eu quis ser bem mais
simples... A gente tem at� p�blico infantil... Eu j� tenho trauma de ter
falado coisas s�rias demais. No pop e no rock
n�o adianta voc� ser panflet�rio. Eu n�o vou fazer o equivalente sonoro das
fotos do Robert Mapplethorpe... Se eu falar do que est� rolando, da mis�ria,
da ang�stia, eu terei que falar disso duma maneira que n�o agrida, porque j�
existe muita, muita, muita agress�o. Se a gente n�o tivesse tanta
responsabilidade... Isso � uma coisa paradoxal e controvertida, as pessoas
podem at� me entender mal... Mas se n�s n�o tiv�ssemos responsabilidade, com
certeza estar�amos fazendo outras coisas. Mas isso parece um marketing anti-Legi�o! RUSSO - Cara, a gente est� num pa�s em
que as pessoas n�o t�m educa��o! Na �poca do Quatro Esta��es a gente
ainda fazia a coisa perigosamente. Aquilo � o disco de um cara descrente. A
gente n�o vai esquecer "Que Pa�s � Este", que era uma m�sica
adolescente boba e quase fode com a gente! Ou daquele show em Bras�lia, vendo a
garotada se matando. ... � melhor n�o chutar o pau da barraca? RUSSO - Eu tenho um filho pequeno, que est�
aprendendo a falar agora. Se eu quiser escrever sobre hero�na, vou fazer de
jeito que, quando meu filho ouvir a m�sica, n�o fique chocado. A Legi�o j� foi considerada porta-voz de uma gera��o... DADO - Tem uma dose de mitifica��o
nisso. RUSSO - Aquela coisa do Herbert (Viana)
dizer que a Legi�o n�o � m�sica... A gente � o qu�?! DADO - ...� religi�o... RUSSO - No momento em que a gente n�o �
tratado como igual nem por nossos pares, eu me sinto colocado contra a parede.
Legi�o nem � t�o bom nem t�o especial. Claro que tem coisas bacanas, mas
tamb�m tem muita coisa que n�o presta... S� que tem uma certa empatia. Como
eu fa�o as letras sempre em primeira pessoa, h� uma identidade, paradoxal,
entre a m�sica e o ouvinte... "P�xa, esse cara t� falando da minha
vida!" J� teve um cara
que at� quis me bater! Eu estava andando no Shopping da G�vea, chega esse cara
e diz: "Voc� n�o tinha o direito de escrever 'Ainda � Cedo' sobre a
minha hist�ria, de ficar espalhando isso para as pessoas! Como � que voc�
sabia de tudo?", e me olhando, com aquela cara de psic�tico... P�, cara,
eu estava falando de mim! Eu sempre gostei de Bob Dylan, desse tipo de
compositor que mesmo quando est� falando do social, do que quer que seja, passa
isso por um prisma psicol�gico-afetivo-emocional-�ntimo, sei l�... Mas qual
era a pergunta mesmo (risos)? A Legi�o se sente parte dessa gera��o que est�
sendo detonada pela cr�tica por tentar mudar de registro? Tipo os Tit�s,
tentando fazer rock mais pesado, ou os Paralamas, cada vez mais rom�nticos? RUSSO - Eu acho que esse disco dos Tit�s
� o disco mais Tit�s deles. O dos Paralamas � o mais Paralamas. E o nosso �
o mais Legi�o... O que era a�ucarado, agora � sacarina pura... O Metallica
sim � que deu uma dilu�da! E as compara��es entre a Legi�o e os Engenheiros? RUSSO - N�o estou muito em posi��o de
falar de nenhuma banda, porque a coisa fica rebatendo durante meses. Numa
entrevista, uma �nica vez na minha vida, falei alguma coisa dos Uns E Outros,
que eu achava eles parecidos com a gente, e tamb�m reclamei um pouquinho do
Capital, porque eles estavam dando no saco, pegando m�sica antiga minha e
gravando - e olha que eu sou amigo dos caras e tudo. Isso ficou rolando meses,
era s� abrir a revista... Eu li a entrevista do Humberto (Gessinger) na BIZZ, e
achei que o que o cara falou tinha a ver, eu queria ter falado algumas coisas
daquelas... L� fora esse
tipo de coisa n�o existe porque para cada banda tem mais trinta iguais! S�
banda-de-franjinha deve ter umas cinq�enta! Eu n�o sei qual � a diferen�a
entre Charlatans e Inspiral Carpets e Ride e n�o sei mais o que... Que importa
se � o Humberto ou o Russo quem escreve melhor? Que bobagem, eu fa�o m�sica
para ganhar dinheiro! N�o foi o Humberto que disse que todos n�s somos umas
putanas? Eu tenho aluguel para pagar. Tenho 31 anos, j� passei da fase de
morrer de overdose... Todos eles morreram com 27... Eu agora tenho mais � que
virar Rod Stewart... Calma l�! RUSSO - N�o estou dizendo que eu sou
falso. Eu acredito no que eu canto. O que acabou foi essa coisa do Russo poeta
rom�ntico. Que nada, � s� letra de m�sica - e ainda por cima eles roubam
toda a grana da gente! Tivemos que montar uma editora para cuidar dessas
coisas... Ser� que n�o existe nada mais importante na vida que letra de
rock'n'roll? Para a molecada idealista, provavelmente n�o. RUSSO - Eu estou sendo diplom�tico.
Claro, tem coisas de que realmente eu n�o gosto. Por exemplo, todo mundo adora
o Lenny Kravitz, e eu acho o Lenny Kravitz um fake de marca maior. N�o gostava
dos Guns N'Roses, ficava puto com as coisas que o Axl falava... Hoje em dia at�
respeito o cara: ele pensa realmente desse jeito, e est� tendo que assumir a
responsabilidade pelo que diz. Nada � impune. At� comprei um disco do Guns...
S� n�o fico ouvindo porque acho que vai ser um desservi�o enorme para o
rock'n'roll. Toda a garotada que est� vindo agora vai achar que foram eles que
inventaram todos aqueles riffs... Na verdade eles chupam os caras que chupavam
dos Stones, que j� tinham chupado de algu�m antes... DADO - Tem que ter discernimento pessoal,
subjetivo. Eu adoro Cowboy Junkies, � maravilhoso. � diferente de, sei l�,
Divinyls... � tudo pop, mas d� para discernir. � tudo putana, mas tem as da
rua Major Sert�rio e as da madame Claudette. RUSSO - O que me irrita um pouco � que n�o
tem jeito de a gente falar do nosso trabalho sem citar outros. Eu vim para c� e
j� sabia: v�o me perguntar dos Tit�s, dos Engenheiros... Ser� que n�o d�
para falar do nosso trabalho? � porque voc�s se recusam a mostrar o disco...
(Confus�o. Bonf� quer mostrar algumas pr�-mixagens no toca-fitas do carro.
Depois acabar�amos no est�dio onde o disco estava sendo mixado, para ouvir
duas m�sicas... mas ambas do lado B). Voc�, que gravou em portugu�s arcaico, acha que quem
est� escrevendo em ingl�s est� prestando tamb�m um desservi�o para a l�ngua
portuguesa? RUSSO - Que l�ngua portuguesa? Cad�
nossas escolas? A l�ngua portuguesa � muito bonita, mas � dif�cil. D� muito
menos trabalho escrever em ingl�s, que tem certos fonemas, e a divis�o das s�labas...
quando h� s�labas! Porque o ingl�s � uma l�ngua virtualmente monossil�bica...
S�rio, � melhor fazer m�sica em ingl�s do que uma m�sica em portugu�s que
diz "mulher � tudo vaca". A� � o meu limite. Isso n�o d�. Voc� a favor da censura? RUSSO - Censura n�o, nunca. Tudo bem, algu�m
fez, tem o direito de se expressar. Mas "mulher � tudo vaca" � o c�mulo... DADO - A gente tinha umas coisas em ingl�s
neste disco, mas acabaram n�o entrando... RUSSO - �, eram tr�s m�sicas em ingl�s.
N�o entraram de prop�sito. E olha que eu adoro cantar em ingl�s. Meu ingl�s
� legal, "Feedback Song" eu escrevi em ingl�s porque era uma coisa
pesada, sobre a AIDS... Mas talvez tamb�m tenha sido vislumbre disso, de quem
sabe tocar l� fora, como o Sepultura... Que eu ali�s
considero, humildemente, a maior banda nacional hoje em dia. Em termos de tudo.
Eu nem entendo muito de metal, mas respeito o espa�o que eles conseguiram,
fazendo o que querem... Pode esquecer o tal triunvirato Tit�s-Paralamas-Engenheiros...
Tem um trocadilho com o heavy metal no refr�o de "Metal Contra As
Nuvens" que � assim: "Eu sou metal, raio, rel�mpago e trov�o/Eu sou
metal, e eu sou ouro em seu bras�o"... Se voc� me permite uma compara��o escrota, pensando
no show do Pacaembu, acho que o Sepultura � mais herdeiro da Legi�o do que os
Engenheiros... DADO - (Entusiasmado) Totalmente
verdadeiro! RUSSO - �, a postura � parecida, s� a m�sica
� diferente. "Dead Embryonic Cells", aquele clip � um esc�ndalo! E
eles s�o bonitinhos (risos)... Isso no rock conta! Voc� quer um bando de
trolhas l� em cima (risos)? Eu, pelo menos, as f�s dizem assim (imitando
tiete): "O mais bonito � o Dado, o Bonf� tamb�m � lindo. Mas o Renato
� o mais inteligente"... deixa elas pensarem... DADO - A beleza � inversamente
proporcional � intelig�ncia... Isso � ofensa ou elogio (gargalhadas)? RUSSO - Tudo bem. Voc�s s�o bonitos e
inteligentes (risos)... A imagem � importante. � que nem o Donny dos New Kids.
Ele tinha que ser alguma coisa, j� que � o mais feioso. Ent�o ele tem que ser
o rebelde, o que fala as coisas. Te preocupa n�o ser bonito? RUSSO - S� na hora de tirar fotos...
(Valeu o aviso, grandess�ssimo filho da m�e!) Mas eu j� ouvi f� dizer que voc� � o cara mais
bonito do mundo... RUSSO - P�xa, avisa essas pessoas para me
darem mole com mais freq��ncia (risos)! Pode chegar e dizer: "Renato, voc�
� um tes�o, vamos fazer isso e aquilo (gargalhadas)"... |
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Skooter 1998 - 2008 |
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