Legi�o Urbana Uma Outra Esta��o
Bullet
bullet
bullet
bullet
bullet
bullet
bullet
bullet
bullet
bullet
bullet
bullet
bullet
bullet
bullet
bullet
bullet
bullet
bullet

eXTReMe Tracker
 

DADO VILLA-LOBOS

(Revista O Carioca - N� 5 - 04/06/1998)

 Chacal: Dado fala um pouco das cidades que voc� passou. Voc� nasceu onde?

Dado: Eu nasci em Bruxelas, na B�lgica em 65. E oito meses depois, fui para Belgrado, na antiga Iugosl�via, hoje Rep�blica S�rvia. Meu pai � diplomata. Logo depois, em 1968, j� estava em Montevid�u, Uruguai.

Chacal: E voc� tem alguma lembran�a desses lugares?

Dado: Bruxelas n�o. Mas Belgrado, eu me lembro bem, que meu av�, pai de minha m�e, morava com a gente e ele se ocupava dos netos. �ramos tr�s irm�os. Eu era o ca�ula, na �poca. Depois em Bras�lia, nasceu minha irm�. Eu tenho uma mem�ria fotogr�fica e de sensa��es, dessa coisa do av� e de uma coisa f�sica clara que era muita neve, neve num jardim, uma colina e um tren�. O tren� puxado pelo av�. Devia ser uma colina min�scula. Eu me lembro disso de Belgrado. E uma cerejeira que tinha no meu jardim. Isso eu tinha um ou dois anos.

 

Barr�o: Depois voc� foi pra Montevid�u. Como era l�?

Dado: A gente morava num bairro chamado Bucitos, na rua Francisco Vidal. E at� hoje continua a mesma coisa. Ent�o era um bairro de casas de dois, tr�s andares. Um bairro de classe m�dia, super calmo, com um pequeno com�rcio. Eu vivia basicamente naquela rua.

 

Barr�o: Voc� estudava aonde?

Dado: Eu fui pra o Liceu Franc�s, mas n�o aprendi franc�s l�. Interessante � que entre os irm�os, a gente falava em castelhano. Isso era muito estranho. O conv�vio era assim largado, na rua. Foi quando eu aprendi a andar de bicicleta. E tinha uma gang entre meus irm�os e o pessoal da rua. A gente fazia guerra de coquitos, que era o coquinho do cipreste e cenouras e legumes. A gente n�o tinha o menor d�.

 

Barr�o: Voc� era brasileiro sem nunca ter pisado no Brasil.

Dado: Ningu�m sabia o que era esse neg�cio de brasileiro. At� hoje eu tenho problemas com isso. Quando tirei meu primeiro documento de identidade, veio na carteira: naturalidade = Estados Unidos. Porra, como � que eu vou explicar isso. Carteira de Identidade � um documento fiel que supostamente segue a sua certid�o de nascimento e aquilo l� prova o que voc� �. Bem, o cara na hora de bater, bateu errado. Porque l� no Minist�rio do Exterior, onde eu fiz a carteira, � comum os caras nascerem em tudo quanto � canto do mundo. S� que eu nasci em Bruxelas.

Fernanda: O cara deve ter lido: Estados Unidos do Brasil e bateu s� Estados Unidos.

Dado: Mas essa � uma certid�o que se perdeu em algum lugar porque n�o existe mais. � uma xerox perdida. Hoje minha carteira de identidade do IFP diz assim: naturalidade: Rio de Janeiro. Nacionalidade: Brasileira. Pra n�o ter confus�o. (A mesa, o bar, a cidade, respirou aliviada). Eu tive v�rios problemas com esse neg�cio de naturalidade.

 

Chacal: Voc� veio para o Brasil, s� com seis, sete anos.

Dado: Seis anos. Em 71, para Bras�lia. Foi a primeira vez que pisei no Brasil.

 

Barr�o: At� ent�o, voc� tinha uma imagem do Brasil, de cart�o postal.

Dado: Pois �, eu cheguei no Brasil, em plena era M�dici. E fui estudar em escola p�blica. A Escola Parque 104/304 Sul. Nesse tempo, a imagem do Brasil, a imagem que os professores passavam para as crian�as naquela �poca, era uma coisa muito forte. O Brasil era uma pot�ncia, uma coisa din�mica, alto desenvolvimento, a Transamaz�nica, a usina de Itaipu. A gente tinha sido tri campe�o mundial. Ent�o ser brasileiro, era uma quest�o de honra e orgulho imensur�vel. Eu fiquei quatro anos em Bras�lia, que era um semi deserto, aquela terra vermelha. Aquilo fazia parte daquele universo que estava sendo colocado na sala de aula.

 

 

UM DADO EM PARIS

Dado: Fui chegando l� e entrando no Liceu. L� a escola � p�blica e o ensino, muito bom. Fui estudar na escola do bairro. E era um col�gio tradicional�ssimo, no bairro burgu�s da cidade, no Seizeiem�.

 

Chacal: Nessa �poca, voc� falava que l�ngua?

Dado: Portugu�s. Meu espanhol tinha ido pra o saco. E eu n�o falava nada de franc�s. Mas depois dessa tomada de consci�ncia brasileira: eu sou brasileiro, acabou essa hist�ria de falar em outra l�ngua com seu irm�o brother brasileiro. Era tudo em portugu�s. A outra l�ngua foi pro espa�o.

 

Chacal: E como � que foi Paris?

Dado: O choque foi o seguinte: eu cheguei e no dia seguinte, eu estava j� em aula e a professora falou: reda��o. Eu n�o falava uma palavra de franc�s. Eu falava "oui", "non" e meio em m�mica, eu consegui me comunicar com a professora e disse que seria imposs�vel escrever uma reda��o sobre Bras�lia e o Brasil. Em 75, eles achavam que o Brasil era uma selva. Mas a partir do primeiro instante que eu pisei nesse pa�s estrangeiro, e era estranho porque eu vim de um lugar estrangeiro e eu tinha passado s� tr�s anos no meu suposto lugar, no meu pa�s que era o Brasil, Bras�lia e tal. Mas assim que eu pisei na Fran�a, no velho continente, onde eu tinha nascido, h� alguns anos antes, eu falei: eu quero voltar para o meu pa�s, o Brasil. J� estou com saudades. Ter que aprender aquela l�ngua num pa�s frio, que s� faz chover, com pessoas estranhas, tendo que me adaptar a uma cultura completamente nova. No primeiro ano, voc� aprende a l�ngua at� que voc� vira um personagem local, rapidamente. Principalmente quando voc� � crian�a. Aprendeu a l�ngua, voc� j� est� se relacionando com a popula��o local. E sempre colocando: Brasil, falou! N�o tem parada aqui. O teu pa�s � desse tamaninho. O meu � desessete vezes maior que o seu. N�s temos uma floresta enorme l� dentro, o maior rio do mundo. Eu nem contava que o Nilo era maior que o Amazonas. Mas isso era inconceb�vel tamb�m.

 

Barr�o: Voc� tinha time de futebol nessa �poca?

Dado: Eu j� era Fluminense. Foi gen�tica essa passagem. Herdei do pai, de fam�lia. Era Fluminense e acabou. E eu vi o Rivelino e o Fluz�o jogarem no primeiro est�dio da cidade, o Columbo, contra o Paris Saint Germain. Foi 1x1 e o Riva saiu de maca, contundido. Em Paris, eu torcia pelo Saint Ettienne que tinha o Rocheteau e ganhava tudo na �poca. Mas o futebol fazia parte do dia a dia porque franc�s gosta muito de futebol e a gente sempre jogava no gin�sio.

 

 

A PROFESSORA MAO�STA

Dado: Eu tive uma professora que reverteu minha id�ia de Brasil. Ela chegou para dar aula e era simplesmente linda. Tipo da mulher que o Barr�o gosta: ruiva, alta, de olho azul e sardenta. Magrinha, de botas, casaco de pele, ela chegou na sala de aula, substituindo a professora titular que tinha pedido licen�a. No primeiro dia de aula, ela passou pelo corredor, todo mundo encostado na parede e os caras: uuuhhhh e tal. E para nossa surpresa, ela entrou na nossa sala de aula e a gente teve que se submeter � autoridade daquela pessoa maravilhosa. Eu tinha treze anos. Foi a� que eu resolvi me candidatar a chefe de sala. Para poder ficar mais tempo junto dessa criatura maravilhosa.

Um belo dia, estava discutindo alguma coisa sobre pa�ses e nacionalidades e como as l�nguas eram diferentes. N�o sei porque no meio da reuni�o, a professora falou: voc�s tem aqui um colega na sala que vem de um pa�s no qual os governantes torturam as pessoas que divergem do pensamento pol�tico oficial e que n�o passa de um jardim do imp�rio norte americano.

Quando ela falou isso, eu pensei: ela t� falando de qu�? Da Bol�via? Do Uruguai? Ela n�o t� falando do Brasil. Essa mulher � louca. A� ela come�ou a falar do Brasil, das favelas, do Terceiro Mundo. Pa�s em desenvolvimento, mas Terceiro Mundo. Favela, mis�ria, diferen�as sociais, aquelas coisas todas que a gente t� careca de conviver no dia a dia. Foi a� que eu descobri que tinha passado por uma lavagem cerebral. Depois descobri que ela era comunista, tinha um namorado horroroso, um cara mais velho, grisalho. Parecia o Serge Gainsbourg, mas horr�vel, grisalho, ensebado. Eu falei: isso n�o � o cara pra essa mo�a.

 

Chacal: Ela descobriu o Brasil pra voc�. E voc� concordou com ela?

Dado: A minha primeira rea��o foi um choque. Eu falei que aquilo n�o era poss�vel. Depois fui falar com ela e ela falou: meu filho, as coisas n�o s�o assim. Eu me senti tra�do.

Nesse momento eu vi como era duro esse neg�cio de ser filho de diplomata. Tem uma hora que voc� tem que largar tudo pra tr�s. Que n�o vai ver nunca mais aquelas pessoas. E voc� est� totalmente estabelecido e pronto para mais um ano de aventuras naquele lugar. Eu deixei muitos amigos l�.

 

Chacal: E o que voc� ouvia nessa �poca?

Dado: Escutava basicamente o som que vinha com meus pais: Caetano, Chico, Gal.

 

 

HERAN�A ALGUMA

Dado: Uma coisa � clara na minha cabe�a. Apesar da primeira lembran�a musical ser aquele disco branco do Caetano com "Atr�s do trio el�trico", "Irene", isso faz parte da forma��o musical da minha inf�ncia. Mas a patir do momento que em Bras�lia, eu comecei a fazer rock, essa refer�ncia da MPB, foi completamente aniquilada.

 

 

 

 

Pol�tica de Privacidade

Skooter 1998 - 2008